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O Globo e eu

Na edição de hoje memórias dos que por lá passaram

Assistindo à série 100 Anos do Jornal O Globo, entendi por que fui contratada como repórter do Segundo Caderno em novembro de 1976. Evandro Carlos de Andrade havia assumido, cinco anos antes, o cargo de diretor de Redação com o objetivo de reformular o jornal, tanto graficamente quanto editorialmente. As mudanças incluíram a criação da edição de domingo, o uso de cores, novos suplementos e a conquista de leitores e anunciantes nos subúrbios. E por indicação do Edgard Catoira, meu editor na revista TV Guia da Editora Abril, que lá cheguei.

Meu primeiro dia na redação foi inesquecível. O espaço era enorme, sem ar-condicionado, com móveis antigos. A equipe era formada por intelectuais de diversas áreas da cultura. Exceto Joana Angélica Gusmão, que eu já conhecia da época da Bloch Editores, não conseguia imaginar nenhum dos meus novos colegas fazendo entrevistas cotidianas com artistas da televisão. Essa era a minha especialidade.

Em oito anos de jornalismo, eu havia construído ótimas relações com atores, cantores, gravadoras e radialistas — do popular ao erudito —, embora ainda houvesse quem visse esse universo como um subproduto cultural. A TV Globo completava 10 anos, consolidava uma programação de alto nível e esperava que o jornal do mesmo grupo refletisse esse prestígio editorial.

Minha estreia foi com uma matéria sobre comportamento, mostrando que havia muitas formas de abordar a televisão. O programa Planeta dos Homens, exibido às segundas-feiras, trazia um quadro em que Taborda (Jô Soares) perguntava ao Fonseca (Paulo Silvino): “Será que aguenta?”, ao que ele respondia com um sonoro “Guenta!”. O bordão foi adotado por milhões de brasileiros — a população do país na época era de cerca de 42 milhões — e passou a ser repetido em todas as situações. A matéria abordava o nascimento dos bordões, a trajetória do comediante e o sucesso do programa.

A segunda matéria, com o título Os fãs escrevem a seus ídolos (e falam de seu amor, de sua paixão, de seu desejo etc. etc.), era aparentemente óbvia. Afinal, com o sucesso das novelas, esperava-se que os artistas recebessem muitas cartas — mas ninguém havia feito uma reportagem sobre isso. Pedi autorização à diretora de elenco Maria Augusta Mattos, a Guta, e também a alguns artistas, para analisar o conteúdo de centenas de cartas que chegavam diariamente à emissora, entregues em grandes sacolas de lona pelos Correios. Os destinatários mudavam de acordo com o sucesso do personagem na novela. Havia declarações de amor eterno, promessas de TVs, casas, viagens… De todo o elenco, a única que mantinha um volume constante de correspondência, estivesse ou não no ar, era Regina Duarte.

Em menos de seis meses, tive a honra de cobrir as férias do colunista Artur da Távola. Para quem não conheceu, Artur da Távola era o pseudônimo de Paulo Alberto Monteiro de Barros, advogado, senador cassado durante o regime militar, exilado na Bolívia e no Chile, e crítico de televisão. Seu texto era profundo, poético, doce e encantador. Conquistou milhares de fãs. No lançamento de seu primeiro livro, Mevitevendo, em 1977, encontrei  a maior reunião de artistas fora da tradicional gravação de fim de ano da emissora. O convite para substituí-lo foi um enorme prestígio — ainda mais por ter sido uma escolha dele próprio. Um verdadeiro aval ao meu trabalho perante uma redação repleta de notáveis.

Mostrando o outro lado da telinha — e também cobrindo estreias e temas de interesse da empresa —, meu texto começou a ganhar espaço. Passei a ser chamada por outras editorias para cobrir matérias como o réveillon em Copacabana e a premiação Operário Padrão, eventos organizados pelo Departamento de Promoções, onde conheci a querida Sheila Roza.

Em 1980, na onda dos novos suplementos, surgiu o Caderno de TV, uma revista que circulava aos domingos totalmente dedicada ao tema. Moyses Fuks, que me levara ao jornalismo na Bloch Editores e profundo conhecedor de televisão, foi convidado para dirigir. Fechou o contrato, mas não pôde assumir no lançamento. Assim, produzi as duas primeiras edições junto com Flávia Villa-Boas, então editora de moda e comportamento.

Eu já intercalava reportagens de TV com shows e discos, e fui, aos poucos, mudando o foco. Popularizei o caderno com matérias deliciosas, como Sidney Magal em um clube do subúrbio, em meio ao delírio das fãs; ou Gretchen, que fazia três shows por noite, trocando de roupa no carro e cantando em um palco improvisado com quatro mesas, Wando recebendo uma “chuva” de calcinhas em pleno show… Ao mesmo tempo, entrevistava nomes como Elis Regina, Maria Bethânia, Milton Nascimento… e por aí vai.

Minha história com O Globo daria um livro. Foram cinco anos iniciais, depois de quase três anos fora, morando nos Estados Unidos, ao retornar foram mais dois anos incríveis, iniciando minha relação com o Rock in Rio, em 1985. Até que virei a chave: deixei de ser pedra e virei vidraça. Fui ser assessora de imprensa.

Mas isso… já é outra história.

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