Em novo shape

Tenho pensado que dentro de mim existe um universo pouco conhecido. Não é sobre sentimentos, é bem mais concreto: o corpo que habita em mim. Seus órgãos, inter-relações, processos, como respondem aos efeitos externos, dos alimentos aos pensamentos.  As reflexões chegaram junto a uma dor profunda que, até a causa ser debelada, passaram 45 dias. Deitada na mesa de cirurgia olhando as luzes no teto, às 7h30 a anestesista feliz cantarolava “Bom dia… O Sol já nasceu lá na fazendinha” enquanto acertava a veia e me dava algo para entrar em sono profundo, quando voltei eu já não era mais a mesma.

Com “zero” de importância ao longo da vida, a vesícula se tornara protagonista nos últimos tempos. A culpa das dores eram as tantas pedras que apareceram numa tomografia sem que nunca tenha percebido a sua chegada. Como nasceram, desenvolveram e tomaram posse sem aviso prévio? Essa pergunta me acompanhou e ainda me intriga.

Quando voltei da anestesia a surpresa: saíram as pedras, e também a vesícula. E assim tive que me aceitar faltando um pedaço, lastimar a perda e exercitar o desapego. Foram apenas alguns furinhos na barriga, como o combinado mas, psicologicamente, São Sebastião perdoe a comparação, recebi como flechadas. Apesar dos exercícios de desapego e de tantas pessoas dizerem que a vesícula não serve para nada, eu ressinto. Nem tive tempo de conhecer, ouvir suas necessidades, ser cuidadosa. Só me resta prestar atenção nos outros órgãos, se fosse possível adoraria virar do avesso e construir uma relação mais amorosa. Agora, no modelo “sem vesícula”, vida que segue com agradecimentos ao Dr. Josdanei Carneiro Silva, sua equipe e atendimento do Hospital Neuroccor, em Porto Seguro, as preces e boas vibrações da família e amigos distantes, a querida Ju Braga que veio me acompanhar, a presença das amigas “baianas” Ana Nunes Bacana, Carla Mott Ancona, Mikie Iwakiri, Patricia Martins, e a nutricionista vegana Carla Figueiredo que tem me alimentado desde que tudo isso começou…

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O REI E EU

Quando a câmera deu o close na mão do Rei Charles no momento em que tocava o anel real, percebi que tínhamos algo em comum: um anel no dedo mindinho. O dele, tem 175 anos, foi presente da mãe, traz o brasão como Príncipe de Gales, a frase “’ich dien’, que significa “eu sirvo” e era um lembrete de que seria o primeiro na sucessão da coroa britânica. O meu foi comprado num momento em que a vida recomeçava e me dizia “eu posso”.

Quando fui morar em Nova York, em tempos de vacas muito magras, num início de dezembro, inverno chegando, vendi todas as joias para comprar uma árvore de Natal, botas e casacos para enfrentar a neve e um Atari para o Bernardo. Andei, de loja em loja, na rua 47 em Manhattan, conhecida como Diamond Street, para ver quem pagava melhor. Em cada uma abria a bolsinha de joias que eram examinadas e é claro que o valor oferecido era muito menor do que o real. Não questionei o valor afetivo, as situações em que comprei e ganhei cada uma, mas era o precisava naquele momento. Mas era o precisava naquele momento. Foram anéis ficaram os dedos.

Quando voltei ao Brasil e em pouco mais de dois anos fui me tornando uma prospera empresária, se é que se podia dizer isso de um escritório inovador de assessoria de imprensa, comecei a me presentear com algumas joias, compradas a prestação.  E este anel, que desde então não saiu da minha mão esquerda, me lembra exatamente isso “eu posso”. 

Vida longa ao Rei ! Vida longa às mulheres que acreditam que podem recomeçar sempre….    

Inesquecível

Foto @mauro.oferreira

Quando acabei de escrever sobre as 5 mulheres que partiram em junho, sem dar tempo de esfriar o teclado chegou a notícia de mais uma, esta conheci quando vim morar na Bahia há 18 anos. “Dona” Anna Mariani, assim conhecida em Vila de Santo André, mesmo que alguns a tenham visto raras vezes, interferiu discretamente e de forma determinante na vida da comunidade por quase duas décadas. Talvez muitos não soubessem que era conhecida nacional e internacionalmente pelas fotografias de fachadas e detalhes da arquitetura de habitações populares, que realizou desde 1976 em muitas expedições pelo Nordeste. Percorreu centenas de povoados para fazer milhares de imagens que tinham em comum: fachadas pintadas a cal pigmentada, rematadas em cima por platibanda (uma barra enfeitada, escondendo o telhado). Fotografou todas de forma idêntica, bem de frente, na mesma escala, sem destaques nem comentários, só local e data. Quando estava em meio a esse trabalho, teve um convite para expor na Bienal de São Paulo de 1987. Saiu de lá com propostas de exposição mundo afora, começando pelo Centro Pompidou, em Paris. Nesta época seu acervo já acumulava mais de 2 mil fotografias que foram publicadas em dois livros e desde o início deste ano fazem parte do Instituto Moreira Salles. 

Ela pode não ter fotografado fachadas de Santo André, mas deixou um registro ainda maior em centenas de crianças e adolescentes que passaram pelas instituições que apoiou de forma determinante. Desde a segunda parte dos anos 90, quando construiu uma casa à beira mar no então povoado de Santo André antes que o mesmo se tornasse um destino descolado de veraneio, olhou para a sua gente de forma especial. Em 2005 começou a colaborar com a Escolinha Maria Marta que existia desde quando aqui chegou. Primeiro financiou uma professora e, com o passar do tempo, se tornou a grande madrinha da Instituição que recebe em torno de 50 crianças entre 2 e 5 anos, do povoado e seus arredores. Nada mais delicioso do que ver as crianças chegando à escolinha que tem uma excelente base pedagógica e muito colaborou para a formação de uma geração. 

Como Conselheira e membro fundadora do Neojiba (Núcleo Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), em 2009 aproximou o IASA (Instituto Amigos de Santo André) que já oferecia educação musical à comunidade, para que se tornasse parceiro institucional desta escola que tem núcleos espalhados por toda a Bahia. O Neojibá, que tem como objetivo promover o desenvolvimento e a integração social prioritariamente de crianças, adolescentes e jovens em situações de vulnerabilidade por meio do ensino e da prática musical coletivos e de novas bases, deu ao IASA uma grande oportunidade. Quer recebendo “master classes” com músicos muitas vezes internacionais, quer permitindo aos seus alunos vivenciarem uma temporada de estudos em Salvador, ou trocando experiências com outras instituições na Bahia. Hoje, alguns alunos da bandinha do IASA se tornaram professores e monitores de música, passando o conhecimento para outras crianças e jovens da comunidade… Um ciclo feliz e renovável…

Tive oportunidade de conversar algumas vezes com Anna Mariani, tanto em encontros inesperados nas caminhadas na praia, como em sua casa… Eu já sabia um pouco sobre sua trajetória, mas em 2009 quando assisti ao show de Maria Bethânia “Amor, Festa, Devoção” e no segundo ato o cenário descia adornado com uma série de quadros com retratos de fachadas de casas, fiquei ainda mais impactada com a obra da “vizinha”.  Em 2012 assisti ao seu lado, num espaço aberto na vila, uma apresentação dos alunos no IASA cujo tema era o Nordeste. Cenários e palcos totalmente diferentes, mas aquela senhora sorridente de cabelos brancos admirava a apresentação das crianças vestidas de cangaceiros e índios de forma encantadora. Tudo muito singelo. Jamais esqueci o seu olhar embevecido como se estivesse assistindo a apresentação de uma sinfônica no mais renomado palco do mundo… Ela sabia o quanto a música e a educação transformava vidas e fez a sua parte em nossa comunidade… 

Anna Mariani faleceu de causas naturais na sua residência em São Paulo aos 87 anos no dia 22 de junho.  Meus sentimentos à família e gratidão por toda a amizade à nossa vila. Descanse em paz. 

Algumas fotos de Anna Mariani

Inspirações e referências

Quando li esta manhã sobre a partida da Danuza Leão lembrei do Moacyr Deriquem. Modelo e ator nos anos 70 – 80, sempre que algum famoso morria ele dizia “ninguém vai sozinho”. E era a mais pura verdade, dias depois surgia a notícia de uma outra partida… Mas junho extrapolou: até agora foram 5 queridas que, de alguma forma, fizeram parte da minha vida…

Eu e Neila Tavares (4 de junho), tínhamos a mesma idade, a nossa vida se encontrou diversas vezes…Foi amiga dos meus dois maridos, Paulo Martins e Régis Cardoso por quem foi dirigida na novela “Anjo Mau”. Neila foi da geração da pílula que trouxe liberdade às mulheres que seguiram a vida independente de parceiros. Mulheres que se reinventaram, buscaram seu espaço e, como escrevia muito bem, brilhou também nas letras. Maria Lucia Dahl (16 de junho) com quem falei poucas vezes nunca soube o quanto me inspirou. Eu era repórter de revistas e jornais, ela cronista no Jornal do Brasil. Como eu gostaria de saber escrever crônicas, falar sobre coisas comuns com a mesma facilidade com que ela fazia.  Eu lia as suas crônicas e me perguntava se conseguiria fazer algo que chegasse próximo. Quando há alguns anos ela foi morar no Retiro dos Artistas aplaudi. Tenho a maior admiração pelo Retiro, acho um trabalho lindo e se um dia me sentir sozinha vou bater na porta.

Na década de 70, casada com um diretor de novelas, passei a fazer parte de um grupo seleto de estrelas globais que era convidado a encontros promovidos pela Guta Matos, poderosa diretora de elenco da Globo, as sessões de cinema organizadas por Moacyr Deriquem, uma vida social muito divertida onde Ilka Soares (18 de junho) sempre linda e elegante transitava. Até um fim de semana na casa da Arquidiocese do Rio de Janeiro a convite do Bispo Dom Eugenio Salles estivemos juntas. O que me impressionava era um estilo chic mesmo que se vestisse de saco de estopa. Eu nunca chegaria a este ponto, acho que as pessoas com estilo nascem assim. Foi uma mulher elegante sempre, assumiu os cabelos grisalhos antes de muitas. Partiu faltando poucos dias para completar 90 anos.

Marilu Bueno (22 de junho) conheci nas gravações da novela Estúpido Cupido…Durante muitos anos fazia eu fiz matérias de novelas para revistas especializadas em tv. Era um tempo em que a novela já era um produto da melhor qualidade e de exportação, mas não era tratada da mesma forma pela mídia… Era considerado um jornalismo menor, posso escrever um tratado sobre o assunto pois andei por ele como enorme alegria…Fui “setorista” do “Estupido Cupido”, ou seja, estava em quase todas as gravações ao ponto da festa de aniversário de 4 anos do Bernardo estar quase todo o elenco cantando parabéns… Demos boas risadas, altíssimo astral. Foi assim até os 82 anos…

Quanto a Danuza Leão (22 de junho), conheci como jurada do programa Flávio Cavalcanti. Ela era tão diferenciada que aceitou o convite feito por Gilda Robichez Ramos, diretora da TV Studio (empresa que produzia o programa) para fazer parte do corpo de jurados. Era tudo muito novo na tv. O programa mesclava temas populares e sofisticados, alguns olhavam com estranheza ela já muito poderosa opinando por assuntos diversos. Nos reencontramos muitas vezez… No início dos anos 90 caminhávamos juntas de manhã bem cedinho no calçadão do Leme (Rio de Janeiro). Alguns anos depois, quando colunista do Jornal do Brasil, uma vez me telefonou pedindo indicação de alguém para ocupar na sua equipe o lugar da Cacaia (outra amiga querida) que estava de mudança para São Paulo. Sugeri Sonia Biondo, havíamos trabalhado juntas no jornal O Globo e estava disponível… E lá foi a Biondo com quem fez  boa parceria durante um bom tempo… Danuza era a pessoa que eu sempre gostei de estar perto mesmo sem precisar falar…Li todos seus livros, inspiradores e orientadores…Quando vim morar na Bahia trocamos e-mails, ela queria alguns dias de férias num lugar tranquilo e certamente encontraria isso em Santo André. Ela vai fazer enorme falta, mesmo sem nos falar há alguns anos… Na verdade, todas vão fazer falta, pois me inspiraram, foram referências e fizeram parte do meu caminho… Valeu a vida !!

A natureza ensina

Eu moro em uma cidade que colocou agroecologia em seu currículo escolar e nunca pensei que esse assunto fosse me emocionar. Mas vivendo em uma área de proteção ambiental, cercada com o que ainda resta de Mata Atlântica, aprendendo que “regenerar” não é apenas o solo mas a nós mesmos, em uma semana onde ambientalistas estão no topo das manchetes, esta manhã assistindo a abertura do curso de agrofloresta que acontece até o dia 19, fiquei comovida… Para quem saiu de um apartamento no Rio de Janeiro e veio se entender numa casa cercada de árvores, a mudança foi grande e gradual… A natureza ensina, qualquer folha caindo que se transforma em adubo é uma lição;  qualquer mudança de lua ora escurecendo, ora inundando de luz o quintal é um sopro de conhecimento.

E, se na cidade de Santa Cruz Cabrália que tem  1200.000 m2 área rural agrícola, nada mais justo do que colocar o assunto na sala de aula. Para isso estão sendo preparados professores interessados no assunto e encontrei 21 sentados à beira do rio João de Tiba, na Ponta de Santo André, num clima bem diferente de uma sala de aula formal. O curso “A Arte de Guardar o Sol: Cultivo de Alimentos em Reconexão com a Natureza”, título de um livro de Walter Steembok, foi disponibilizado para todos que buscam saber sobre o assunto, com aulas teóricas e vivências práticas sobre permacultura e regeneração. Preparar educadores e expandir estas informações em “sala de aula” é a certeza de que o mundo não está perdido… Em 3 escolas da região a agroecologia já está no currículo nas turmas da 6ª. à 9ª. série. Agora é seduzir mais professores a “comprarem” esta ideia e saírem multiplicando os conhecimentos adquiridos sobre o tema que, na verdade, está presente em cada esquina da cidade.

A ideia de reunir profissionais desta área com o objetivo de passar conhecimento foi da Carla Mott Ancona, uma executiva paulista que atuou por muitos anos na área de turismo e há pouco mais de um ano mudou para Santo André, atrás do sonho de desenvolver projetos sustentáveis na região. Em um ano Carla já fez uma revolução através do Projeto Colmeia realizando 2 fóruns online sobre sustentabilidade, encontro para mulheres falarem da feminilidade, cursos de corte costura e letramento digital, e se integrou de uma forma incrível com a comunidade.

E voltando ao encontro da manhã, quando em determinado momento numa atividade coletiva foi proposto que cada um contasse para quem estivesse mais próximo o que o levou ao curso e o que esperava levar no final, surgiram emocionantes os depoimentos. Estamos num tempo de muito discurso sobre meio ambiente, percebo uma profusão de teorias e um mínimo de vivencia… Estar acompanhando as mudanças que ocorrem no planeta num local tão mágico, é um privilégio. Quanto mais eu conheço a natureza mais eu me conheço.

Que mulher é essa ?

Chegou de mansinho. Primeiro veio uma foto. Fiquei olhando as minhas rugas em volta dos olhos, do pescoço, mas havia uma luz tão linda que me encantei… Apesar de nestes tempos atuais tirar foto não ser uma solenidade, com um celular tudo vai sendo registrado descontraidamente. E esta me tocou de forma diferente pois me mostrou como nunca, até então, tinha me visto… e gostei do que vi… Quando eu já estava acostumada com a minha imagem estática, o programa* começou. E com ele, as imagens em movimento… Foi quando me perguntei: quem é essa mulher que fala e gesticula ? 

É muito estranho me ver mais velha e passei a noite buscando uma resposta de quem está na tela e de quem está dentro de mim.  Revi algumas vezes o vídeo da conversa com o Rodrigo Hilbert, procurei as memórias dos meus antepassados nos meus movimentos, o discurso conciso dos anos editando textos, e acordei pensando que aquela mulher é uma outra que nasceu na Bahia há 18 anos quando dei um novo rumo à vida… O passar do tempo está me permitindo entender que, assim como um solo quando fatiado mostra o que foi depositado ao longo dos anos, em camadas com textura, coloração, elementos, também sou assim, fragmentada em várias mulheres. Desde aquela que me tornei quando sangrei aos 12 anos até a que aprendeu a se apaixonar, a amar, a fazer escolhas, ter um filho, e para se defender aprendeu a não ouvir cantadas que não lhe interessasse mas aceitou todas que soavam bem aos seus ouvidos… Que decidiu dizer sim aos desafios profissionais, que trabalhou incansavelmente para realizar o sonho dos outros que por momentos passavam a ser seus, e que o dia em que parou começou a perceber o quanto a vida é fluida…

Esta é a mulher que habita em mim e, por ser tão nova, ainda me assusta… Traz uma maturidade que não construí conscientemente, mas que surgiu… Menos incendiária, mais pacificadora, me estranho não no branco dos cabelos, mas no todo que às vezes fujo do espelho. Na essência, continuo sendo uma usina de ideias, como já me chamaram, e não nego que queria ter 40 anos para fazer muito mais. Me encanta a tecnologia, todas as possibilidades da comunicação, os avanços científicos, a proximidade do mundo, tudo ficou tão perto, e mesmo vivendo num povoado com pouco mais de mil habitantes, não me sinto fora do contexto global… Eu ainda quero muito mais… E pensando bem, até que estou gostando desta baiana que hoje eu sou!

*Programa Tempero de Família – GNT – “Tem um Vilarejo Aqui”

foto @marinabaggio_ @sofa.filmes

A primeira vez…

Foto @claudia.schembri

E foi assim que certa manhã olhando no espelho de aumento percebi uma mancha pequena na lateral esquerda do nariz… Escura, com uma certa textura, quase escondida na dobrinha da narina, surgiu sem avisar… Um pequeno “milho” na testa, uns cravinhos ao lado dos olhos, uns pelos que surgem ao redor dos lábios que são retirados, todos esses elementos se integraram ao meu rosto há alguns anos e cuido na medida de seus desejos… Mas aquela manchinha com textura era novidade… Informalmente mostrei à uma querida moradora de Santo André, doutora com muitos títulos que socorre os amigos nos mais diversos assuntos da medicina, que olhou com atenção, não viu grande problema, mas sugeriu que procurasse um dermatologista sem muita pressa…

E foi assim que pela primeira vez apavorada com um câncer de pele fui a uma dermatologista. Afinal quem vive junto ao mar há quase 18 anos, nem sempre usando protetor solar, tudo seria possível. Mas ir a um profissional dessa área também me remete às histórias que ouço de amigas fazendo intervenções para minimizar as marcas do tempo, diminuir rugas, harmonizar a aparência, o que jamais cogitei por temer qualquer ação que não possa voltar ao modelo natural, e isto inclui tatuagem, cirurgia plástica, botox… Não recrimino, só temo me olhar no espelho e não ver mais a mesma que acompanhei toda mudança ao longo dos anos…

E foi assim que num calor ainda de verão encontrei num consultório super refrigerado em Porto Seguro a minha primeira dermatologista. Impossível esquecer a Dra.Flávia Levy!  Na primeira frase me senti sendo atendida por Ivete Sangalo, tal o sotaque soteropolitano … Alta, morena, cabelos longos, morando no sul da Bahia há pouco mais de um ano, fala com um jeito todo especial de quem sempre viveu em Salvador… Apresentando-se como “dermatologista de raiz” temendo a quantidade de sol e o maleficio à nossa saúde, bem-humorada sugere o uso de burca, camisas de mangas longas e chapéu com tecido UV… Se gostasse das redes sociais, @flavialevydermato faria enorme sucesso pois tem uma forma fácil e divertida de falar sobre problemas tão sérios…E no meio da nossa conversa, depois de ter olhado profundamente todo o meu rosto com uma lente, pediu que eu tirasse a roupa justificando  “entrou aqui tenho que ver tudo, sou uma dermatologista de raiz” !!

E foi assim que timidamente fiquei de calcinha e sutiã na sua frente, acompanhando o movimento que fazia com a lente percorrendo cada detalhe de todas as pintinhas, marcas e gordurinhas do meu corpo.  E não são poucas…. Parecia um detetive olhando, tocando analisando, e não pude deixar de pensar que se fosse há 50 anos o estado da matéria seria bem melhor…  As pernas reveladas nas minis saias e faziam sucesso já não respondiam mais ao passado de glória…Contei sobre a perda da safena no Rock in Rio de 1991, e aí já não eram mais as pintinhas, eram as grandes marcas da vida. Ah! vaidade feminina, acima de qualquer cuidado com a saúde… O que poderia já ter mexido comigo profundamente ainda foi mais forte quando pediu para tirar o sutiã e levantar os braços…. Desmontei. Que mulher sou eu neste exame psicologicamente mais profundo do que a ressonância magnética, a tomografia, a colonoscopia, a endoscopia, que fiz nos últimos anos… Olhando por fora me vi por dentro…

E foi assim que uma manchinha no nariz me levou à uma viagem profunda.  Apesar dos efeitos dos anos, o rosto está bem. Vou continuar com o Chronos que me acompanha há anos, de manhã e à noite, que será somado ao uso de um sabonete, uma pomada para a manchinha do nariz e outras que nem tinha visto no corpo, além de um protetor FPS 70. E pensar que eu só passava protetor 30 no rosto e óleo de coco… As camisas de mangas longas UV que ela sugere, sinto muito não vou usar… Ainda é vital sentir o sol queimando depois de um mergulho no mar… O mais importante deste encontro foi descobrir que há sempre hora para a agente se ver integralmente, por fora e por dentro… Mesmo com marcas, cicatrizes, algumas mazelas, a vida tem sido muito boa…

Pela janela

Na volta da praia, corpo feliz com o sal e ainda quente do sol, antes de fechar os olhos para o banho – aprendi recentemente a me lavar exercitando o tato – vi da janela um Aracuã se equilibrando nos galhos finos da árvore no jardim em busca dos pequenos frutos… Tentei fotografar mas a ave foi rápida e se escondeu entre os galhos… Mas essa cena bastou para me levar a uma reflexão durante o banho e ao logo do dia… Qual mágica uma ave pesando em torno de meio quilo e medindo por volta de meio metro faz para pisar tão delicadamente, quase flutuar, a fim de colher seu alimento?

Fazendo analogia com a vida, colocando os pés no chão, percebi quantas vezes para sobreviver fui Aracuã… Quando em cima do galho fino, buscando proteção entre folhas e frutos, diante do desafio surgia o equilíbrio numa força que sabe Deus de onde vinha e resolvia o que parecia impossível… Com o passar do tempo, como se olhando no retrovisor, claramente revejo a caminhada, sem fantasias, mas só com um pouco de poesia e carinho. De galho em galho, de árvore em árvore, buscando e colhendo frutos, cheguei aonde estou muito mais paciente…

Quando vim morar na Bahia, fiz um site pessoal, semanas de trabalho tentando me alfabetizar em html, errando e acertando, e na apresentação escrevi algo como: hoje não sou mais ventania, sou vento morno…  Na época que escrevi eu ainda não era assim, mas foi uma boa previsão de um futuro que, 18 anos depois, percebo realmente ter atingido… O ditado português “”dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair” desapareceu do meu discurso… Estou mais para conciliar, buscar o caminho do meio, encontrar uma saída…

Isso não me impede de sair pelo jardim interrompendo algum caminhão enorme que entre pela servidão (a ruela que leva à praia) para fazer entregas na pousada ao lado…. Até pouco tempo não entravam, tudo chegava em carros ou carrinhos de mão… Mas desde o dia que precisei cortar o galho do cajueiro que era um lindo adereço e impedia o acesso à veículos maiores, descobriram o caminho mais fácil e menos correto. Mesmo sem poder manobrar, caminhões enormes entram arrancando os galhos das árvores que ainda resistem e se derramam pela pequena rua… O desrespeito me incomoda, seja ele qual for, e nessa hora volto a ser ventania… Mas a revolta dura pouco… Respiro fundo, procuro ver o ridículo que é sair brigando por conta de alguns galhos maltratados ou por qualquer coisa… A vida é curta e boa… E vou aprendendo cada dia a causar menos impacto externo, buscar equilíbrio como o Aracuã, olhar mais às árvores, o movimento do mar, as estrelas nas noites escuras, e me descobrir de olhos fechados embaixo do chuveiro….

Domingos

Foto : Claudia Schembri

Eu adoro o silencio dos domingos…

Aos domingos não arrumo a cama, tomo café de pijama lendo o jornal no tablet, e nem os passarinhos cantam no meu quintal… Acho que eles sabem que é dia de descanso…

Aos domingos ouço música, como meu pai fazia quando eu era criança… Colocava os discos na vitrola e ficava fazendo alguma coisa, às vezes preparava o fumo para o cachimbo, misturava vários blends numa lata grande e acrescentava casca de maçã em uma operação silenciosa e cuidadosa. Em outras arrumava os próprios discos ou os livros na estante e pouco antes do almoço preparava algum drink especial que levava para mamãe na cozinha e me deixava dar uma bicadinha…  

É uma lembrança tão significativa que me faz ouvir música aos domingos como se fosse uma celebração em memória da minha família… Não preciso mais colocar os discos na vitrola, tenho uma playlist no spotify com Rod Stewart cantando standards americanos, uma série de boleros na voz de Luiz Miguel, o jazz da Diana Krall, a maravilha de João Bosco e ainda o som do nordeste de Fagner, Geraldinho Azevedo e Alceu Valença… Fico arrumando o jardim, tomando sol e bebendo Aperol…  Apesar da música ter feito parte da minha trajetória profissional, não consigo ter como fundo musical no cotidiano… Não trabalho ouvindo música… Tenho os sons da natureza, às vezes interrompidos pelos carros que passam vendendo frutas, fazendo anúncios da prefeitura e mais um sem número de ofertas, mas sei que são passageiros e não me aborrecem…

Aos domingos algumas vezes deixo de almoçar fora com amigos e faço um macarrão que não chega próximo ao sabor dos que vinham à mesa na casa dos meus pais acompanhados de carne assada e salada de batata com maionese… Quantas vezes ajudei a preparar a maionese amassando a gema cozida, colocando azeite aos poucos até ficar bem clarinha, quase branca…  

Durante muitos anos, quando morava distante, aos domingos no fim da tarde telefonava para minha mãe. Horário em que todos estavam reunidos para o lanche e assim sabia das novidades da família numa única ligação que muitas vezes aconteciam com chamadas internacionais que pesavam no orçamento, mas traziam uma alegria que preenchia meu coração por uma semana… Ainda hoje aos domingos no entardecer tenho o impulso de pegar o telefone mas ninguém atende o 586827. A família ficou pequena, mas continuo tendo os domingos…

Parabéns Leny Andrade

Em outubro de 1983 passei a madrugada andando pelas ruas de Manhattan esperando o jornal The New York Times ir para as bancas.  Não andava sozinha, estava com a Lali Jurowski e o Zé Luiz Oliveira esperando para ler a crítica do show de Leny Andrade no Blue Note… Foi o Zé quem fez o contrato da Leny para seu primeiro show na Big Apple, a Lali minha amiga era produtora e intérprete da cantora e músicos, e eu tinha intermediado com a agencia de turismo aonde trabalhava o patrocínio da hospedagem e passagem aérea para a “brazilian jazz singer” conquistar a América.  Lembrei desses momentos com a notícia de que hoje Leny está fazendo 79 anos…

Ao longo dos anos ouvi Leny nas noites do Rio, ela tocou (e toca) na playlist de meus amores, principalmente os boleros… Há alguns anos reencontrei Leny morando no Retiro dos Artistas. Lembramos esta temporada que não mudou apenas a sua vida, mas a minha também.  Ela não sabia o quanto tinha sido importante quando uma noite no hotel em Manhattan, se preparando para o show, falávamos sobre crenças e ela me deu um livrinho de orações diárias… Durante muitos anos achei que o tinha perdido em tantas mudanças, até que ressurgiu numa pasta de documentos antigos num momento em que eu precisava ter fé. Desde então ele está na minha mesa de cabeceira…

Feliz aniversário Leny querida… que os anjos, arcanjos, elohims e serafins sempre estejam em seu caminho…

By John S. Wilson

  • Oct. 2, 1983

JAZZ: THE BRAZILIAN SINGER LENY ANDRADE

Leny Andrade, who’s being heralded as ”Brazil’s No. 1 jazz singer” at the Blue Note, where she is making her American debut through tonight, is a short, plump, round-faced woman who looks somewhat like Mildred Bailey and who does scat singing with an agility that approaches Ella Fitzgerald.

But in a program that is rhythmically focused on the bossa nova and on the livelier, more headstrong samba, and sung, with one exception, in Portuguese, Miss Andrade is most impressive in a song that is totally removed from jazz – an emotional and moving ballad in the Piaf tradition, ”Cantador.”

Miss Andrade sings it in a darker, softer voice than Piaf’s, with a dramatic effect that comes through even to a listener who doesn’t understand Portugese.

Her jazz talents come out in full force when her scat singing is done in challenging exchanges with the trumpeter and trombonist Claudio Roditi and the excellent quartet that he leads as her accompaniment – Aloisio Aguiar, piano, Lincoln Goines, bass, and Portinho, drums.

Possibly in an attempt to get around her language limitation, Miss Andrade is depending too much on scat singing, which soon becomes monotonous, particularly when she has another side to her singing that indicates a much wider vocal scope.