Tico e teco funcionam paralelamente. Com um lado do cérebro faço a contagem das práticas do Pilates, com o outro o pensamento viaja por caminhos que variam do cardápio do almoço a um tempo passado em Lisboa. Às vezes perco a contagem e, quando percebo, o exercício que deveria ser repetido 36 vezes já chegou aos 50. Esta manhã, enquanto contava no vai vem da ‘cama reformer’, concluía que me basta muito pouco para ser feliz. Me pego diante de fatos que não me dão qualquer lucro ou resultado profissional, mas que me enchem o coração. Por exemplo, estou num momento de encanto com o Museu das Cadeiras Brasileiras que foi inaugurado em Belmonte, a apenas 50kms distante da minha casa. Ainda não visitei, nada tenho a ver com o projeto, mas só em pensar que tem um grão de arte tão próximo me faz feliz; algo significativamente novo para apresentar aos amigos e mostrar como é rico o sul da Bahia. Este museu, criado pelo filho do arquiteto Zanine Caldas, traz a valoração da arte e da cultura para esta região com tão poucas atrações. E no viés desta reflexão me pego olhando para Cabrália, um museu a céu aberto repleto de história, que permanece escondido. Prédios centenários sendo comidos por cupins, infiltrações, memórias em ruínas. Área indígena com crescimento descontrolado, abandono das tradições. Não é culpa de uma gestão, mas de todas que não entenderam a importância da preservação da cultura e das tradições para alavancar o turismo, um setor crescente e fundamental para a economia.
Há pouco mais de dois anos Fernando Portella, um amigo que dirige o Instituto Cultural Cidade Viva, no Rio de Janeiro, me procurou com a proposta de uma empresa espanhola da área de energia elétrica em criar uma iluminação cênica em um marco histórico do país. Ele se lembrou da cruz da Primeira Missa em Coroa Vermelha que conhecera há muitos anos e achou ser o local adequado. Eu estava Secretária de Comunicação da Prefeitura, levei a proposta ao Prefeito e ao Secretário de Turismo que aprovaram o projeto, mas a realização não foi simples, a começar pela primeira visita técnica quando percebemos que o local não era mais o mesmo das boas lembranças de Fernando. O crescimento comercial desordenado fechou a bela vista para o mar, acabou o cenário que se imagina Cabral ter encontrado ao aportar com suas caravelas. Mesmo assim o projeto seguiu, com grandes desafios estruturais e finalmente foi inaugurada a iluminação cênica. O objetivo era marcar a presença do fato histórico e religioso, estimular o turismo com visitação noturna. Mas, assim como o museu indígena há anos abandonado, a cruz seguiu o caminho e voltou às escuras. Nada se preserva, nada se cuida. Ah! minha Cabrália, quando terão olhos para preservar a memória do país ?
Foto : Claudia Schembri