Na redação

Eu e Lucia Ritto – Foto André Costa e Silva

Este tempo de pandemia tem me trazido momentos surpreendentes… Ainda não arrumei as caixas de fotos, nem o armário, mas o passado chega através do whatsapp e do messenger fazendo um rebuliço na memória. No fim de semana um amigo enviou um texto antigo que publiquei domingo, e também o original do musical “Ninguém é Loira Por Acaso”, que escrevi e produzi para a Vanusa em 1999. Sim, eu já escrevi um espetáculo para teatro e não coloquei no meu currículo. Não rejeito a obra, é bem legal, a estrutura bem construída e até então eu tinha zero conhecimento de carpintaria de teatro. Podia ter tido vida longa, mas foi um projeto que acabou se perdendo com a Vanusa morando em São Paulo, eu no Rio já engatando no Rock in Rio que veio a acontecer em 2001 e assim ficou…  

Ainda não consegui reler “Ninguém é loira…”, preciso de fôlego, calma no coração e uma caixa de lenços de papel ao lado, pois vou chorar pelo tempo e amizade com que foi criada e como estamos agora. Mas antes de ter este fôlego, ontem, quando fui desligar o celular para dormir, vi uma foto que chegou no Messenger e me tirou o sono. Era eu aos 20 anos na Bloch, Rua do Russel, em 1969. As fotos foram feitas por André Costa e Silva, um jovem que estagiava na casa e fazia algumas matérias para a Revista Amiga.  Eu comecei em jornalismo como tudo em minha vida, muito por acaso. A convite do Moyses Fuks fui para a Bloch Editores que ia lançar uma revista sobre TV chamada Amiga. Estas fotos são da redação e quem trabalhou lá ou conheceu o prédio da rua do Russel vai se lembrar do cenário. Era um luxo de arquitetura e construção. Mármore, vidro, jacarandá, couro e tapetes por toda a parte, intercalados com obras de arte sem contar o visual para o parque do Flamengo. Tinha um restaurante com uma piscina, mesas redondas para 8 pessoas com toalha e guardanapos de linho branco, talheres de prata e copos bico de jaca.

Um desfile de lembranças nestas fotos. Muitas reflexões desde a alegria da juventude e dos amigos que partiram cedo como Lucia Ritto e Luiz Augusto Chabassus, rever Marco Antonio Gay, Alexandra Bertola, José Luiz Sombra, como a falta de preconceito ou pre julgamento em conviver pacificamente com o neto do ex-presidente da General Costa e Silva. Sim, André era neto do General Costa e Silva, o 2º presidente da época da ditadura militar que, dois anos antes, em sua posse, assinara o AI-5 que suspendia todos os direitos civis. Este mesmo general, naquele ano estava elaborando uma reforma política que incluiria a extinção do AI-5 e, segundo o jornalista Carlos Chagas, pretendia assinar essa emenda no dia 7 de setembro de 1969. Mas uma semana antes sofreu um derrame cerebral.  Como não havia nenhuma previsão constitucional para tal situação de emergência, foi sucedido por uma Junta Governativa Provisória, também conhecida como a Segunda Junta Militar. Morreu poucos meses depois. (Fonte Wikipedia)

Não me lembro, em nenhum momento, de que tanto eu como Lucia, Chabassus, Sombra, Marco Antonio, Alexandra, que nas fotos estamos sorrindo para as lentes do André e fomos às ruas como todos os outros jovens gritar contra a ditadura, termos rejeitado a sua companhia ou feito bullying. Eram tempos duros, difíceis, mas havia respeito.  E foi nestes pensamentos que perdi o sono, fazendo comparações com os tempos de hoje. Será que nestes 50 anos que se passaram, a delicadeza, o respeito, o amor ao próximo se esvaíram e em paralelo nasceu a cultura de que aceitar, doar, respeitar as diferenças é uma obrigação? 

Impossível ver o passado e não ter o coração repleto de orgulho da boa caminhada. Sinto o perfume, me lembro das risadas soltas, dos amores sem qualquer restrição… Não havia o medo da Aids nem de engravidar fora de hora. Senti até o calor do verão nas roupas com ombros de fora… Éramos felizes e sabíamos. Construímos uma bela história e somos setentões bem resolvidos… Esta pandemia tem me levado à viagens maravilhosas, às vezes rouba meu sono, me enche de lágrimas, e me faz ter cada vez mais certeza de que a vida está valendo a pena.

José Luiz Sombra, eu, Luiz Augusto Chabassus, Lucia Ritto e Alexandra Bertola
Publicidade

2 Respostas para “Na redação

  1. Simplesmente um filme. Um belo filme de sua bela vida Orgulho-me de ser seu amigo. Beijo

  2. Léa,

    Maravilha de texto! A melhor frase é “éramos felizes e sabíamos”, como eu sabia naqueles anos. Não só sabia, como tinha certeza. E vaticinei, para os meus botões, que sentiria saudade daquele tempo. Havia mais respeito, sim. E todos éramos muito menos caretas que hoje — com a praga do politicamente correto.

    Em tempo: Gérard Gambus e sua eterna musa, Evinha, estão toda hora no Rio. Você nunca entrou em contato com eles, especialmente o marselhês de boa cepa Gérard?

    Seria uma boa para lembrar das gravações do LPzão “As Dez Canções Medalha de Ouro”, lançado em 1973, como você sabe, com base em pesquisa de repertório feita no Programa Flávio Cavalcanti. Quantas figurinhas será que ele e o Mauriat trocaram com o grande Erlon Chaves?

    Para combinar com o bálsamo do seu texto, a última composição de monsieur Mauriat, com o também genial mano Gilles Gambus ao piano: “Building the groove”, gravação de 1996.

    um abraço, saúde e paz!

    Silvio

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s