Enquanto depilava as pernas embaixo do chuveiro, correndo, cuidadosamente, o aparelho descartável do tornozelo em direção ao joelho, lembrei-me da primeira fez que vi este gesto. Tenho a imagem muito remota de mamãe vestindo peignoir de jersey, com a perna muito branca coberta por uma leve espuma de sabonete, apoiada na banheira e com o mão direita fazia subir e descer o aparelho de barbear do papai enquanto falava comigo. Para ela algo muito corriqueiro, para mim era uma cena reveladora da intimidade feminina.
Algum tempo depois, com 11 anos, acreditei ter idade suficiente para fazer o mesmo. Por alguma razão fiquei em casa com a empregada que passava roupa na lavanderia. Justifiquei um banho no meio da tarde e entrei no banheiro com péssimas intenções. Retirei a roupa, peguei o peignoir da mamãe que ficava atrás da porto e vesti. Ficava enorme no meu pequeno corpo, praticamente um vestido de princesa com cauda. No armário sob a pia peguei cada peça do aparelho de barbear. Era assim que papai guardava, desmontado. Já o tinha visto montar algumas vezes e sabia como colocar a gilete. Com cuidado retirei de uma caixinha azul, desembrulhei atenta para não cortar os dedos, encaixei no aparelho e deixei ao lado da banheira. Umedeci as mãos, fiz um pouco de espuma com o sabonete e comecei a repetir a cena. As pernas tinham apenas uma penugem loura e fina que fui ensaboando. Limpei as mãos com a toalha e fui para a função mais importante: depilar a perna. No primeiro movimento tive medo de me cortar, mas não desisti. Uma perna, depois outra, a gilete corria pela perna dando uma sensação estranha, um misto de medo e alegria. Será que este é o prazer que falam nos romances que minha irmã lê? O que isso vai mudar a minha vida? Agora já sou uma moça?
Hoje me lembrei deste sentimento ao repetir a cena que fiz milhares de vezes em momentos, locais e situações mais diversas. Depilei as pernas com pressa, algumas vezes chorando, outras sonhando e idealizando amores, pensando em viagens, criando projetos, filosofando, falando com a empregada, ensinando o dever de casa ao filho, pensando na vida… Um gesto íntimo, para alguns uma coisa até atôa que faz parte do universo feminino, mas quem passou gilete na perna há de lembrar deste sensação…