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Quando acabar

Foto : Cláudia Perroni

Foto : Cláudia Perroni

Completou 3 anos a morte da mamãe e recebi um email do meu irmão consultando sobre o que fazer com o que sobrou do seu corpo. Nossa família não tem jazigo. Papai amealhou algum dinheiro na poupança, deixou uma casa e uma aposentadoria para mamãe. Teve uma boa vida, sem grandes luxos, mas com muito conforto e queria que mamãe mantivesse o mesmo estilo até o final. Pensou no seguro saúde, mas não pensou no jazigo, pois sua compreensão do espiritismo entendia que o corpo/matéria era passageiro. Ninguém teria que ir a um cemitério rezar por sua alma. Podia fazer no meio de uma boa conversa, assistindo a um jogo de tênis ou ao sentir o aroma de um bom fumo para cachimbo. Eram coisas que ele gostava.

Somos 4 irmãos morando em cidades diferentes e conversamos sobre questões familiares por email coletivo. Mas este me tocou ao pensar nos restos mortais da mamãe decidindo se vai para uma gaveta, se compramos um jazigo ou se vai para a exumação em ossário geral sem acesso futuro. Ela também não pensou sobre isso. Ao inverso do papai temia a morte e não acreditava em qualquer coisa depois do ultimo suspiro. Diversas vezes me pediu para conversar com Deus e pedir aos Santos por sua saúde. Durante um café da manhã, na pequena mesa da cozinha, em meio a uma conversa comparou a nossa vida como a de uma formiga. Fazendo o gesto de matar uma formiga com o dedo disse: “quando morremos é assim, acaba tudo”. Ah! mamãe tão pouco crente mas cercada de tantas imagens de santos e anjos em torno de sua cama. Partiu no susto, creio que se surpreendeu.

Que pese as diferenças filosóficas, papai e mamãe foram muito unidos e felizes. Passaram para os filhos a importância do afeto, dos amigos e da familia, da justiça e respeito ao semelhante, e sobretudo do profissionalismo. Cada filho tomou estas informações da forma que quis e colocou em sua vida. Quanto a definição deste assunto, assino a opção da maioria dos irmãos. Para mim, isso não importa. Quando for a minha hora se não der para cremar e jogar as cinzas no mar de Santo André, que esqueçam meu corpo embaixo da terra no cemitério de Mogiquiçaba. Minha alma vai agradecer que estes restos da matéria se desintegrem próximo ao mar, com um vento suave varrendo a terra. Não precisa de sepultura, apenas uma pequena lápide com a inscrição: Amor e Gratidão.