Aprendizados

“Queime a lagarta antes que ela te queime…”

Dei um grito quando vi o Guinho que, com um galho seco na mão,  mexia na lagarta dourada que há mais de uma semana “cultivava” dentro de um grande vaso, alimentando diariamente com folhas tenras… A lagarta que apareceu no quintal, não era do tipo que se transformaria em borboleta. Era gorda, uma espécie diferente, parecia um pompom, mas nem por isso perigosa…

“Queime a lagarta antes que ela te queime”, me fez lembrar a mamãe. Tenho pensado nela com freqüência, e hoje podia até ouvi-la  fazendo essa recomendação quando aparecia no quintal muito menos que uma lagarta, mas uma simples taturana preta. E eu, curiosa, também ficava com um raminho de árvore virando a infeliz de cabeça prá baixo tentando contar quantas eram as perninhas que a faziam andar rápido. Memórias de criança, e quando penso em mamãe a primeira lembrança é da sua frase favorita, repetida centenas de vezes, geralmente servida antes das refeições:

“Vocês jamais vão poder dizer “a minha mãe cozinhava isso ou aquilo muito bem”, pois eu odeio cozinhar…”

Está certo mamãe, não importa se na memória do meu paladar ficou faltando seus temperos, mas reconheço que aprendi outras coisas de grande valia e que me acompanham até hoje, como fazer tricô. Confesso que faço pouco, também no calor da Bahia de pouco valeriam os suéteres, mas o prazer de ter sempre algum trabalho manual foi seu ensinamento. Crochê, ponto de cruz, vagonite, tapeçaria, costura, desde o primeiro paninho que fiz na escola com amostras de pontos para bordar você esteve ao meu lado zelando pelo capricho. Aprendi a fazer qualquer destes trabalhos manuais com o mesmo cuidado, tanto do lado direito como o avesso, a dar pequenos nós na linha para não deixar “um serviço sujo” e arrematar com zelo para o bordado ficar seguro, sem fios pendurados. Talvez você não saiba, mamãe, mas isso valeu para a vida toda. Saber ficar sozinha, me bastar no silencio enquanto a cabeça viaja em pensamentos e as mãos se ocupam foi de grande importância. Foi o início do aprendizado de aquietar a mente, o primeiro passo para a meditação. A estrutura do bordado – “o que está na frente tem que ser tão bom quanto o que está atrás” – é o exemplo de ética que você me deixou. Ser apenas uma pessoa, íntegra e transparente, em qualquer ângulo. Dar pequenos nós, é o que mais tenho feito. Unido e reunido pessoas, resgatado amigos, amarro com cuidado e deixo o fio curto para não fugirem…Era desnecessário mamãe, também deixar um sabor na lembrança. Seu legado foi muito maior.

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Uma resposta para “Aprendizados

  1. Conforme eu ia entrando, devagarinho, para o aconchego do seu ” Aprendizados ” mais eu ia unindo as imagens coloridas do seu texto com a doçura de Manoel Bandeira que um dia nos disse : “…você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos “.

    Os dois textos tem a mesma delicadeza, ao ser.

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