Não lembro em qual show ouvi pela primeira vez Maria Bethânia falando um trecho do poema Cântico Negro do português José Régio, mas lembro perfeitamente que voltei prá casa com a última estrofe me acompanhando :
“ Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí! “
Vez por outra o poema me assola, como nos últimos dias ouvindo Maria Inêz do Espírito Santo contar lindamente o mito indígena do Caranguejo e do Jaguar que está em seu livro “O Gosto de Terra Natal”. Conta a lenda que o Caranguejo tinha o poder de jogar seus olhos para longe e ver outras terras. Os olhos iam, viam de tudo e voltavam. O Jaguar ficou fascinado quando soube que o Caranguejo tinha esse dom e pediu que fizesse o mesmo com seus olhos. O Caranguejo atendeu ao pedido do Jaguar e mandou seus os olhos para o outro lado do lago. Os olhos foram e voltaram. O Jaguar ficou deslumbrado com o que seus olhos tinham visto e queria conhecer mais. Apesar do Caranguejo alegar o perigo, pois era a hora do pai da Traíra andar pelo lago e poderia devorar seus olhos, o Jaguar tanto insistiu que lá foram seus olhos. Foram e não voltaram. O Jaguar se desesperou com a cegueira, quis devorar o Caranguejo que fugiu para o fundo do lago. E lá ficou o Jaguar na mata desesperado até que apareceu o Gavião Real e ofereceu ajuda. Com leite retirado de uma árvore e sementes, o Gavião Real criou novos olhos para o Jaguar. Como pagamento exigiu que toda caça feita pelo Jaguar um pedaço ficasse para o Gavião Real. E assim foi feito. Até hoje o Jaguar não come tudo o que caça.
Mito e poema se encontram no momento em que a experiência de cada um é única. Não posso viver com os olhos dos outros, nem seguir o que não for o meu caminho.
Esta historia foi recolhida entre os Taulipang, nação indígena de Roraima e publicada no livro “Lendas do Índio Brasileiro” de Alberto da Costa e Silva. Quem quiser conhecer mais sobre Maria Inêz dê uma olhada em seu site www.mariainezdoespiritosanto.com.br
lindos olhos de todos nós, a um só tempo jaguar e gavião (a ordem não altera o desejo e o interesse, compreensível e, vá lá, generoso).
Léa,
Muito grata pela gentil publicação!
Abraço, Inez