Morar em uma área semi rural faz com que as necessidades sejam diferentes. Meus interesses estão mais para refazer as madeiras de uma das hortas suspensas, montar uma nova tenda para a grande mesa debaixo das árvores, colocar uma tela mais alta no canil para a Akira não fugir, do que uma roupa de grife, um sapato como manda a moda, um batom com a cor do verão, um perfume must da estação… E quando saio do meu mundo e me deparo com uma grande cidade sou tomada por um terrível sentimento de inadequação… Lá não valem as havaianas coloridas, os vestidos largos, as cangas, os biquínis, as camisetas e as bermudas. Estou fora do contexto no chamado estilo urbano. Mesmo com pulseiras, colares, panos enrolados para proteger do ar condicionado acomodo-me na poltrona do avião, fecho a cortina e sinto-me estranha…
Foi com este sentimento que cheguei ao Rio para passar 2 noites e menos de dois dias na casa de uma amiga que mora bem próximo de onde eu teria um compromisso, pois tenho pânico de ficar presa em engarrafamentos e não chegar na hora… Somos amigas desde 1969 e passamos juntas uma época muito boa de juventude… O tempo nos separou com casamentos e filhos e nos reencontramos há uns 10 anos. Ainda não conhecia seu apartamento à beira mar feito com carinho e suor. Literalmente suor e calos nas mãos. Por conta própria pinta a casa, reforma a cozinha colocando novo azulejo, troca o papel de parede do corredor, passa rejunte, retira aquecedor do banheiro, reforma móveis, faz uma mesa de centro… Inacreditável!
Um banho, camisola, copo de cerveja e conversa íntima de mulheres da mesma geração, com medos e ainda muitos sonhos. Ela conta sobre o fim do casamento. Apesar das aparências de ‘casal 20’, a relação vinha se esfacelando há anos, ela sempre contemporizando para preservar a família. Filhos casaram, saíram de casa, alguns até do país e ela continuou fazendo figuração de par perfeito. Há pouco mais de dois anos concluíram que o divórcio era a saída, ele mudou de quarto, mas não saiu de casa nem contaram para os filhos. Foi então que o previsível aconteceu. Ah!!!! estas terríveis redes sociais um reencontro casual com um amor do passado mexeu com a estrutura da mulher com pouco mais de 60 anos por quem o marido perdera o desejo. Aumentou a estima, mas manteve-se fiel ao parceiro em uma relação que não mais existia, preparando o anuncio aos filhos. Mas o marido sentiu-se traído virou o jogo e ela passou a ser considerada por eles a mais vil e desprezível mulher do planeta. Filhos e ex-marido a humilharam e cortaram relações. Encontrei minha amiga se reinventando no maior astral. Aceitando os novos tempos, elegante nas palavras ao se referir ao ex-marido e filhos, atenta ao futuro, preocupada com o neto que vai nascer e que não acompanhará a chegada nem dará o primeiro banho.
Fui dormir pensando nas viradas da vida, na minha própria que me trazia de volta ao Rio para rever um pedaço do passado. Ninguém virou as costas pra mim, simplesmente eu saí mas não esqueci dos caminhos por onde passei nem das pessoas com quem aprendi e dividi momentos inesquecíveis. A inadequação estética era apenas um pequeno detalhe perante a grandeza de estar novamente integrada a um grupo do qual ajudei a construir uma lenda.
Lembrei do ditado “em Roma como os romanos” e como figura urbana no dia seguinte fui pintar as unhas e o jovem cabelereiro cortou meu cabelo mais do que devia. Não importa, vai crescer. Como na juventude estiquei a roupa de festa sob a cama. Tomei banho, passei creme no corpo e pintei o rosto tomando emprestado o que há de mais chic em maquiagem nos tantos potinhos, caixinhas, tubinhos, lápis, rímel, pós, base, sombras, batons, que saiam das gavetinhas da minha amiga. Um espelho de aumento controlava os exageros. Com um pincel gordo ela acertou o blush, parecia que tínhamos voltado ao tempo e nos arrumávamos para o baile no clube da Tijuca ao som do The Fevers.
E pela primeira vez o esperar a festa não foi o melhor, mas sim o estar lá nos tantos abraços, sorrisos, encontros… 30 anos de celebração de uma marca que cada um ajudou a construir… Foi como se jamais tivéssemos nos separado e voltei pra casa acreditando que por algumas horas fomos mais do que “uma só voz, uma canção” éramos todos a mesma alma…
Foto : Luis Guilherme – Divulgação Rock in Rio
Voce está demais! Nem precisa de imagens para “ver” isto. Beijo do FÃ.
@ iPhone do Roberto Abramson.
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Como sempre … impecável , minha ídola! Rss bjs
Encantada com sua história, encantada com a foto. Parabéns por ambos!
Que sabor de vida têm sempre suas palavras…