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O ano que passou

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Foram mais de 300 dias num dilema que parecia sem fim…. Não havia critério de tempo, espaço ou lógica para a tortura surgir…. Às vezes ao acordar, outras no meio da noite, entre as refeições, lendo o jornal, na prece, na melhor cena da novela, no Pilates, quando menos esperava surgia o pensamento aterrorizante. A primeira manifestação foi exatamente há um ano ao assoprar as velas do bolo de aniversário e constatar que no próximo seriam 70. Foi difícil assimilar. E me perguntava: como assim? 70 anos !!!

Sei que Roberto tem 77, Chico 74, Caetano 76, Jagger 75, Fernanda 89, Bibi 96 e por aí vai, mas desconheço o processo pelo qual passaram, se rolou alguma neura ou se correu tranquilo. Cada um é um, e minha alma tem menos de 40 anos. Como tudo em minha vida aconteceu sem qualquer planejamento, fui seguindo e me deparei na porta dos 70. Nas primeiras semanas após a constatação pensei em mudar a alimentação, chegar aos 70 quilos para celebrar 70 anos, mas percebi que ficaria com cara de doente. Depois de uma certa idade emagrecer é temerário, pode cair tudo… Pensei em N projetos para superar o medo, estava quase me atirando de volta à um divã de analista. Optei por insistir na vida alimentar e mental saudável, caminhando na praia, retirando da mesa o pão, bolos, chocolates, mas isso não eliminava a navalha na cabeça, uma tortura silenciosa, vergonhoso até em compartilhar com os amigos.

E no meio deste drama há algumas semanas acordei muito estranha às 5 da manhã. Estava inebriada num profundo sentimento de que a vida é muito boa. Eram tantos passarinhos cantando, tamanha mistura de notas musicais, que até o estridente aracuã me fez feliz. Um sol escandalosamente carregado de brilho e o mar ao longe com jeito de maré alta. Esse cenário acordou em mim o sentimento de que se não tivesse chegado aos 70 não teria vivido esta e tantas outras maravilhas…

Como perder o prazer de ser testemunha da mudança na comunicação, a profissão que escolhi, ver sair do mimeógrafo às impressoras 3D, do orelhão aos smartphones, dos jornais nas bancas à leitura digital no tablet, do telex à internet. Imagine encarnar e perder a transformação da TV preto e branco para cores, às transmissões internacionais via satélite, não testemunhar a revolução que um homem chamado Flavio Cavalcanti fez na TV brasileira. O prazer em ter trabalhado em 4 Rock’n Rios e contribuído para a construção desta marca reconhecida mundialmente… Imagine que tédio ter a chance e não entrar no sonho do Roberto Medina tal qual um Sancho Pança seguindo Don Quixote atrás dos moinhos de vento? Que graça teria não acompanhar o crescimento de tantos profissionais que continuam meus amigos e, assim como eu, o tempo também está contando no velocímetro deles… Por favor, Dody Sirena!! Como passar nesta vida sem ver a sua trajetória despontando do sul do país, enfrentando os mais malucos desafios e  produzir um show em Jerusalém… Jesus ! E eu estava lá… Experiência única.

E todos os amores, paixões, encantamentos, prazeres, borboletas no estomago, taquicardia ao ouvir uma canção, suores, cheiros, sabores e também decepções, perdas, lutos, traições, mentiras, enganos, despedidas, puxadas de tapete, separações, tudo vivido muito intensamente como as cenas mais densas no final de um capítulo da novela aos sábados. Como esquecer !!! E como não lembrar quão felizes foram os namoros, casamentos, encontros furtivos, paqueras, amizades coloridas… Muito mais encontros do que desencontros…

Ah! Nova York e Lisboa que me acolheram como uma de suas filhas. Na América com meias de nylon e sandália no verão, três invernos com neve, ser commuter entre Larchmont e Manhattan, almoçar sanduiche na escada da Saint Patricks, assistir à queima de fogos nos 100 anos da Brooklyn Bridge, a marcha pelo desarmamento nuclear nas ruas de Manhattan, tão organizada como o desfile de uma escola de samba…Tantas histórias e vidas… Portugal meu avozinho, como escreveu David Nasser, a descoberta das raízes, o encontro do idioma, das tradições e a beleza de tanta modernidade. A sardinha frita nas festas de Santo Antônio, as cerejas aos montes vendidas nas barracas na rua, os fados, os rocks e os pops que ainda tocam na minha playlist. Coimbra, Aveiro, Setúbal, Porto, Braga, Cezimbra, Azeitão, Serra da Arrabida, de norte e sul percorri suas estradas, ruas e vielas, deixando meu coração pleno de amor e simpatia. E por fim me tornar baiana de Vila da Santa Andre, Santa Cruz Cabralia, onde o Brasil começou !

Se não tivesse vivido tanto nem teria percebido que nasci em uma família que às vezes me faz pensar que nos reunimos apenas para esta experiência coletiva. Do meu irmão que se foi tenho a certeza que já estivemos juntos em outros momentos. Dos demais são relações em fases constantes de construção… Dos meus pais ficaram os ensinamentos sobre honestidade, respeito, tolerância. Dignidade, amizade, acolhimento. Em casa todos eram bem-vindos. Sempre havia um lugar na mesa e uma cama extra. Não se discutia politica, religião nem futebol, todos respeitavam as escolhas. E pude fazer as minhas, divergir do meu pai nas mudanças politicas; buscar um caminho na espiritualidade e torcer por um time que não era da familia… Foi essa estrutura que me permitiu entrar por tantas portas com pé no chão, sem deslumbramento, pedindo licença, aceitando desafios, encarando tudo com muito prazer e me levou a viver em tantos lugares como se estivesse sempre em casa. Mudavam os cenários, ora sofisticados, algumas vezes mais simples, mas a essência da família permanecia intocável.

O melhor de tudo, um prazer até egóico, a perpetuação da espécie, é a alegria de ver que o filho gerado se tornou um homem integro, profissional da mais alta qualidade, amigo sincero, sensível, amoroso e construiu uma família por quem tenho o maior amor… Gratidão Paulo Martins por esta parceria de vida. Bernardo é sem duvida o melhor de mim.

Se tivesse ficado no meio do caminho, não teria conhecido a paz e a grandeza que cresce internamente quando o externo começa a se deteriorar. Reconheço como grande mistério da vida a capacidade de exercer a quietude, a compaixão, a complacência diante dos que ainda produzem acirradas disputadas do ego. Já vi esse filme e o final nem sempre é feliz. A vida pode ser muito mais leve e simples. Continuo aprendendo, estudando e acreditando na sabedoria que vem com a maturidade. Faço planos sem parar. Me recrio, me reinvento, e ainda tenho muito chão pela frente. Aguardem.

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Fátima

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Com Juliana Braga, num retorno à Fátima, embaixo de muita chuva, dia 31 de janeiro de 2004. A foto é da Denise Chaer.

Neste 13 de maio em que se celebra 100 anos da aparição de N.Sa.de Fatima aos pastorinhos, lembrei de 2003 quando fui morar em Lisboa integrando a equipe de produção daquele que, no ano seguinte, se tornaria o maior sucesso dos festivais de música em Portugal: o Rock in Rio-Lisboa. Fiquei imensamente feliz ao ser convidada a fazer parte do grupo que iria implantar este mega evento na Europa levando know how brasileiro.  Afinal aquele seria o meu 4º Rock. Mas as primeiras semanas na “terrinha” foram difíceis. A produção luso brasileira ainda se formava. Linguagens e culturas distintas. O escritório não estava pronto e improvisadamente ocupávamos uma suíte no 5 estrelas Hotel da Lapa. O apartamento que dividiria com outras brasileiras estava em fase de montagem, sem tv nem internet. Há muitos anos não sabia o que era compartilhar uma casa e me sentia sem chão. O assunto referente ao trabalho eu conhecia profundamente mas havia algo muito estranho naquele começo, eu era um peixe fora d´água. Estava quase arrependida de ter aceito a proposta, quando duas semanas após a chegada, num fim de semana, fui convidada a visitar Fátima. Com duas brasileiras peguei o ônibus e percorri pouco mais de 120km até chegar na cidade que respira turismo religioso. Todo o comercio vive do milagre das 3 crianças que tiveram a visão da Santa. Dos hotéis aos restaurantes, é só esse o tema. Chegamos ao Santuário e na pequena capela onde consta ter acontecido o milagre procurei um lugarzinho para fazer as minhas orações. Abri meu coração e travei uma conversa franca com N.Sa. de Fátima. Mesmo sem ter grande intimidade com a Santa, a não ser pela lembrança da infância quando, na escola das freiras, fazíamos procissão e cantávamos “A treze de maio na Cova da Iria no céu aparece a Virgem Maria…”, fui sincera. Coloquei as dúvidas e incertezas sobre o rumo que havia dado à minha vida, o compromisso de morar quase um ano em Portugal, o desafio em construir um projeto tão inovador num país desconhecido, o começo confuso e perguntei “o que estou fazendo aqui, o que tenho que aprender? ”.  Foi neste momento que o telefone, que eu retirara o som, se mexeu na bolsa encostada ao corpo. Olhei na tela e a chamada era da Roberta Medina. Atendi discretamente, ela perguntava se eu estava bem… O telefonema naquele momento serviu como resposta imediata à minha pergunta. Como se uma luz tivesse acendido na minha cabeça, dissipado qualquer dúvida, eliminado todos os problemas. Eu estava ali para fazer o meu trabalho de promover e trazer a memória do festival para outras terras. A família Medina confiava em meu trabalho e, como fiel seguidora do Don “Roberto” Quixote, iria às batalhas contra os moinhos de vento. Obrigada N.Sa. de Fátima por esse telefonema que sinalizou sua milagrosa presença e mudou meus pensamentos transformando minha estada em Portugal em uma experiência inesquecível.

Mix de sentimentos

todos

Morar em uma área semi rural faz com que as necessidades sejam diferentes.  Meus interesses estão mais para refazer as madeiras de uma das hortas suspensas, montar uma nova tenda para a grande mesa debaixo das árvores, colocar uma tela mais alta no canil para a Akira não fugir, do que uma roupa de grife, um sapato como manda a moda, um batom com a cor do verão, um perfume must da estação… E quando saio do meu mundo e me deparo com uma grande cidade sou tomada por um terrível sentimento de inadequação… Lá não valem as havaianas coloridas, os vestidos largos, as cangas, os biquínis, as camisetas e as bermudas. Estou fora do contexto no chamado estilo urbano. Mesmo com pulseiras, colares, panos enrolados para proteger do ar condicionado acomodo-me na poltrona do avião, fecho a cortina e sinto-me estranha…

Foi com este sentimento que cheguei ao Rio para passar 2 noites e menos de dois dias na casa de uma amiga que mora bem próximo de onde eu teria um compromisso, pois tenho pânico de ficar presa em engarrafamentos e não chegar na hora… Somos amigas desde 1969 e passamos juntas uma época muito boa de juventude… O tempo nos separou com casamentos e filhos e nos reencontramos há uns 10 anos. Ainda não conhecia seu apartamento à beira mar feito com carinho e suor. Literalmente suor e calos nas mãos. Por conta própria pinta a casa, reforma a cozinha colocando novo azulejo, troca o papel de parede do corredor, passa rejunte, retira aquecedor do banheiro, reforma móveis, faz uma mesa de centro… Inacreditável!

Um banho, camisola, copo de cerveja e conversa íntima de mulheres da mesma geração, com medos e ainda muitos sonhos. Ela conta sobre o fim do casamento. Apesar das aparências de ‘casal 20’, a relação vinha se esfacelando há anos, ela sempre contemporizando para preservar a família. Filhos casaram, saíram de casa, alguns até do país e ela continuou fazendo figuração de par perfeito. Há pouco mais de dois anos concluíram que o divórcio era a saída, ele mudou de quarto, mas não saiu de casa nem contaram para os filhos. Foi então que o previsível aconteceu. Ah!!!! estas terríveis redes sociais um reencontro casual com um amor do passado mexeu com a estrutura da mulher com pouco mais de 60 anos por quem o marido perdera o desejo. Aumentou a estima, mas manteve-se fiel ao parceiro em uma relação que não mais existia, preparando o anuncio aos filhos. Mas o marido sentiu-se traído virou o jogo e ela passou a ser considerada por eles a mais vil e desprezível mulher do planeta. Filhos e ex-marido a humilharam e cortaram relações. Encontrei minha amiga se reinventando no maior astral. Aceitando os novos tempos, elegante nas palavras ao se referir ao ex-marido e filhos, atenta ao futuro, preocupada com o neto que vai nascer e que não acompanhará a chegada nem dará o primeiro banho.

Fui dormir pensando nas viradas da vida, na minha própria que me trazia de volta ao Rio para rever um pedaço do passado. Ninguém virou as costas pra mim, simplesmente eu saí mas não esqueci dos caminhos por onde passei nem das pessoas com quem aprendi e dividi momentos inesquecíveis. A inadequação estética era apenas um pequeno detalhe perante a grandeza de estar novamente integrada a um grupo do qual ajudei a construir uma lenda.

Lembrei do ditado “em Roma como os romanos” e como figura urbana no dia seguinte fui pintar as unhas e o jovem cabelereiro cortou meu cabelo mais do que devia. Não importa, vai crescer. Como na juventude estiquei a roupa de festa sob a cama. Tomei banho, passei creme no corpo e pintei o rosto tomando emprestado o que há de mais chic em maquiagem nos tantos potinhos, caixinhas, tubinhos, lápis, rímel, pós, base, sombras, batons, que saiam das gavetinhas da minha amiga. Um espelho de aumento controlava os exageros. Com um pincel gordo ela acertou o blush, parecia que tínhamos voltado ao tempo e nos arrumávamos para o baile no clube da Tijuca ao som do The Fevers.

E pela primeira vez o esperar a festa não foi o melhor, mas sim o estar lá nos tantos abraços, sorrisos,  encontros… 30 anos de celebração de uma marca que cada um ajudou a construir… Foi como se jamais tivéssemos nos separado e voltei pra casa acreditando que por algumas horas fomos mais do que “uma só voz, uma canção” éramos todos a mesma alma…

Foto : Luis Guilherme – Divulgação Rock in Rio

Memória Rock in Rio – Eleição 2000

Em 2004, no Rock in Rio Lisboa, com Roberto Medina e parte da equipe.

Procurando o titulo de eleitor e no clima de expectativa da eleição, a memória me levou a exatamente um dia igual a este, na cidade do Rio de Janeiro, há 12 anos. Eu fazia parte da equipe que preparava a volta do Rock in Rio em 2001, um mega e esperado evento. A cidade tinha como prefeito Luiz Paulo Conde, arquiteto e urbanista premiado, apoiador do festival tendo inclusive participado da coletiva de lançamento. A Artplan, empresa organizadora, era completamente PFL, partido do Conde e também do Rubem Medina, deputado federal e irmão do criador do festival, Roberto Medina. Conde se preparava para reeleição, mas tinha que enfrentar Cesar Maia. Importante voltar um pouco mais no tempo : Conde entrou na política em 1993 pelas mãos de Cesar ao ser nomeado Secretário de Urbanismo e o conheci nesta época. Eu também fazia parte da equipe, era Assessora de Eventos, cargo com estrutura de Secretaria.  Cesar admirava tanto Conde que em 1996 o elegeu seu substituto, pois visava o Governo do Estado na eleição de 98. Pouco depois Conde rompeu com Cesar e às vésperas da eleição de 2000 eram inimigos ferrenhos, cada um puxando para o seu lado.

Roberto Medina e todo o PFL davam como favas contadas a reeleição de Conde. Mas por questões de respeito e boas relações políticas, quando aconteceu o lançamento do festival, Medina pediu que eu levasse o projeto ao conhecimento de Cesar. E assim o fiz num encontro como sempre simpático, em seu escritório na Rua Voluntários da Pátria em Botafogo. Cesar ouviu atentamente, elogiou a ousadia, a determinação do empresário e se despediu  com a seguinte frase.

“Diga ao Medina para tratar você muito bem, pois dia 1º de janeiro eu serei prefeito desta cidade e você será de novo autoridade”.

Claro que não repeti a frase com a mesma ênfase. Faltando uns 15 dias para a eleição, almoçando com Medina, ouvi suas explicações de que não havia possibilidade de Cesar se eleger tal o número de intenções de votos que as pesquisas apontavam para Conde. Contestei, mas os números que ele apresentava eram quase que incontestáveis. Ele sabia muito bem do lado que eu estava e a forma discreta como conduzia esse assunto. Não coloquei adesivo no carro, não vesti camiseta, tudo para não criar constrangimento com a equipe da qual eu fazia parte e era totalmente Conde. No dia da eleição, estava em casa quando a televisão mostrou os primeiros resultados da vitória de Cesar e o rádio Nextel chamou. Do outro lado a frase lacônica de Medina acompanhada de boas risadas “não falo mais com você… você é uma bruxa…”

Claro que voltamos a nos falar e me coube ser a intermediária das conversas entre equipes Rock in Rio e da nova administração. Para fazer um festival daquele tamanho nos primeiros dias do ano seguinte era preciso uma relação muito firme com o gestor da cidade. O festival foi um sucesso. Optei por não voltar à política, aceitei a proposta de Medina em fazer parte da sua empresa de eventos, a Dream Factory, que nasceu após o Rock in Rio 2001. Boas lembranças, já posso ir votar.