Inbox

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A mensagem pedindo o número do meu telefone para alguém que não vejo há dezenas de anos chegou inbox. Li, reli e fui levada para um tempo muito distante quando esperava encontrar um grande amor que tirasse meus pés do chão e me fizesse voar à lua. Como fotos de um álbum antigo veio a imagem do primeiro encontro e, como todos aqueles que marcam a vida, foi ao acaso. Amigo de amigos nos reunimos num escritório para discutir algum projeto e, de repente, nem sei mais o que falávamos, com o coração batendo tão forte que parecia sair da boca e não consegui mais olhar para ele. Saímos para comer alguma coisa e no final da noite eu estava encantada. Tenho um grave defeito: só me apaixono por pessoas inteligentes. O simples sedutor não me convence. Apenas o que tem algo a dizer, discutir, compartilhar, vida corrida com inteligência, perspicácia, humor e uma certa ironia … E ele era exatamente tudo isso ! Ainda tinha um cabelo desalinhado, uma cara amarrotada, um certo ar blasée no vestir e amigos poetas, músicos, escritores, artistas maravilhosos…. Óbvio que aconteceu um grande amor que só não foi mais longo pela distância. Por razões profissionais voltei a morar no Rio e a ponte aérea foi dificultando a relação. Creio que ele também tinha uma pendencia emocional em outra cidade e o tempo se encarregou de colocar um outro “grande amor” na fila.  Incrível hoje constatar que em uma certa idade há volúpia e sequência de “grandes amores” o que deixa a vida simplesmente fantástica e traz um tempero especial às lembranças na maturidade.

Aquela mensagem inbox ficou rodando um fim de semana em minha cabeça gerando uma questão: o que ele quer comigo ? Na segunda feira ao voltar para a casa depois de uma caminhada na praia recebi o recado de que alguém com um nome diferente telefonara se identificando como um grande amigo, fazendo uma porção de perguntas que variavam da localização geográfica de Vila de Santo André até o meu atual estado civil! Tudo muito divertido e surpreendente se você imagina que alguém está saindo de um baú depois de 45 anos…E quantas águas já rolaram neste tempo, quantas vidas e encarnações que ele nem imagina…

No meio da tarde o telefone tocou e era ele. A voz inconfundível, o tempo não havia passado. O mesmo tom bem-humorado, ironia fina, sedução inteligente… “Você foi o grande amor da minha vida”, ele soltou assim em meio de uma frase e eu quase caí do sofá! Como em uma tarde sem aviso prévio, sem clima de sinos tocando ou qualquer outro cenário de paixão surge esta declaração? Como se guarda por tantos anos o desejo de dizer “você foi o grande amor da vida” ?

Não levei a sério, mudei de assunto, ele repetiu a frase… O que continuava me impressionando não era o amor guardado, mas a sua voz firme, como se fosse um elemento protegido das agruras do tempo. O pensamento corria com o mesmo discurso ágil, inteligente, atualizado. A voz sem rugas, sem catarata, cabelos brancos, peles flácidas ou qualquer outra mazela que os anos trazem à matéria que somos. Não tinha botox, nem lifting, nem lipo, nem implante. Era uma voz no auge dos seus quase 40 anos, igualzinha quando nos conhecemos. Enquanto conversávamos, comecei a fazer cálculos de quantos anos ele teria e não aguentando a curiosidade perguntei:

“E com quantos anos você está ?”

“Vou fazer 80 !!”

Não fiz silêncio. Gritei.

“Como assim ? A sua voz é a mesma…”

“Eu sou o mesmo”.

E ele era realmente o mesmo inteligente jornalista, produtor, criador, escritor, inventor de artistas, poeta, romântico meio sem jeito… O resto são fantasias, preconceitos, idiotices que construímos mentalmente sobre velhice. Neste dia aprendi que estamos inteiros em qualquer tempo, basta não perder a essência…

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6 Respostas para “Inbox

  1. Lea, que beleza de texto! Voce está sublime.

  2. Ah, Lea… Que delícia esse relato. Bjs.

  3. Linda a sua história de amor,Leleca, vou lhe dar em troca uma bem parecidinha com a sua: Casei aos 20, com véu e grinalda, numa quinta-feira ( era o chic da época ) na Igreja N.Sra.de Bom Sucesso, que também era o máximo no momento. Como eu só me apossei da minha sexualidade aos 22 anos, minha mãe dizia que eu só ia casar virgem e com homem que tivesse dinheiro. Duas posturas realmente lamentáveis. Resultado , nas boates de sábado no Sírio e Libanês conheci o Ronaldo , uma carinha super gente boa, amigo, inteligente, cumplice, parceiro, e – o pior: Perdidamente apaixonado por mim. Aí eu pensei : não sou apaixonada por ele, mas minha mãe teria o sonho dela reslizado. Esqueci de dizer que até os 21 anos, quando me separei dele, eu era uma abestada total, alienada com relação ao momento trágico/político que estávamos vivendo, enfim, uma filhinha única da mamãe. Aos 22 anos fui passar o carnaval na casa de uma familia de quem já era amiga desde que tinha 8 anos. A Regina tinha 4 . Era 1972. Resolvi ir com ela ao baile do Monte-Líbano e assim, simples assim, nos sentimos apaixonadas uma pela outra. Como eu já estava divorciada do Ronaldo e ela terminou com o namorado dela. Mas e aí? O que se faz? Nunca havia transado com uma mulher antes e muito menos ela. Essa é a primeira história de um grande , imenso amor.

    Voltemos ao Ronaldo. Aos 6 meses de casamento eu não aguentava mais. Eu dizia ao meu pai que queria se separar e ele dizia que não, a não ser se ele me batesse. Meu pai me deu a chave da porta.

    Fiz um cenário de bebado nenhum botar defeito, revirei a casa, separei os comprimidos da embalagem de um remedio porreta para fingi que me suicidara. Só havia esquecido a chave da porta.

    Quando ele chega eu provoco uma discussão , um pega-pra-capar com a finalidade única de apanhar um pouquinho. E por incrível que pareça, uma Ronaldo ainda perdidamente apaixonado bateu no meu rosto. Não serviu. Tinha que ter sangue. Aí fiz ele bater mais. Quando vi que tinha sangue
    (ele tinha ido lá pra dentro) não me pergunte como eu arrombei a chave
    da porta , prendi todos os elevados no térreo onde tinha um telefone pública e eu as fichinhas, liguei pro meu pai e falei: Estou com a cara toda quebrada. O que mais precisa para você entender que eu não quero mais esse homem? Minha mãe contava que meu pai vomitara e foram rapidinho lá pra casa. O Ronaldo , coitado , vendo os elevadores presos, desistiu. E eu fui para a casa dos meus pais já me sentindo, levinha, levinha. Mas tinha que me separar no papel.

    Liguei para o Clovis Sayonne e contei a história toda e disse que ele tinha que fazer alguma coisa porque se o Ronaldo me aparecesse na casa da
    minha mãe eu me atirava do 8o. andar só prá não encontrar com ele.

    O Clóvis fez tudo. ( Exageraram um pouco…) No dia seguinte foi com 2
    outros advogados e ele só pode sair com a roupa que estava. Só nos vimos para assinar o divórcio.

    Passam-se anos, e uns 18 a 19 anos depois não é que ele me descobre trbalhando no Posto do Banco do Brasil na Petrobras.

    Saímos e ele me deixa de cara no chão dizendo que nunca me esquecera que eu (= você ) era a mulher da vida dele. Ele só casara porque eu nunca mais ia querer nada com ele.

    Resumindo: Hoje somos amigos ( mas ele não me poupou de um mail que começa assim: Amor da minha vida ) , ele conhece a Denise, já veio aqui em casa, enfim , para mim estava tudo certo se ele não colocasse terríveis palavras de amor eterno no mail que me mandou , que nunca vai me esquecer mesmo sabendo que eu era gay , para ele isso não tinha a menor importância. Me contou que estava esperando o primeiro neto,
    e precisou achar essa forma de ser feliz. Eu disse ( e ele viu ) que eu também não teria feito melhor escolha.

    De vez em quando ele aparece e eu até gosto. Só não gosto quando me chama de ” Amor ” kkkkkkkkkkk

    Só você, Leleca, para me fazer rir num dia de hoje.
    te amo
    Nêno

  4. Adorável a sua história, Léa!

  5. Morri.

  6. Morri. De novo.
    Pois foi assim que me senti numa postagem sua anterior a essa.

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