Saíram do meu corpo 10 quilos e começo a me descobrir uma outra mulher. Não a mais magra que já fui e usou tantas roupas que ficaram guardadas como querendo provar que tinha sido mais leve … Mas uma mulher de 70 anos que voltou a olhar o seu corpo com prazer. Um assunto muito feminino que só quem voltou a vestir a velha calça jeans desbotada com folga pode avaliar… A sensação do vestido estar solto no corpo, de tudo cair melhor, de comer menos, não mais devorar uma caixa de bis e ficar feliz com 2 figos desidratados. Não foi uma dieta, mas uma forma diferente de encarar a vida ao constatar que ainda tenho muito a construir e realizar. Pode parecer piração, mas tenho a sensação que o estômago diminuiu sem bariátrica. A gula foi controlada, aprendi a tomar café sem açúcar, retirei o trigo e o leite da mesa… Nada radical… Se der vontade como uma boa massa caseira ou um sorvete italiano que adoro… Neste novo movimento, entrou também o desapego aos livros e DVDs – os CDs já foram –, a organização das fotos que estão em diversas caixas, escrever mais (talvez um livro!), entender a razão da vida (se possível!), ser mais colaborativa, compreender o que é néctar e compaixão, refazer a horta e comer o que pode ser plantado no quintal. Tudo isso e muito mais, não necessariamente nesta ordem…
E foi neste novo estilo que viajei para São Paulo à trabalho aonde, invariavelmente, arrumo um tempo para me dar ao luxo de cortar o cabelo com o Jassa e passar na rua João Cachoeira que fica próxima a endereços que morei muitas vezes no Itaim Bibi. Tem o podólogo, a farmácia, a loja de camisetas, a das roupas sociais, a dos sapatos e a de lingerie. Foi exatamente nesta última que me surpreendi. Desculpe a intimidade, mas como estou falando entre amigas, confesso que há muitos anos uso um determinado tipo de calcinha de microfibra super prática e confortável, de uma marca bem conhecida e sem qualquer glamour. É entrar na loja, olhar na prateleira, separar meia dúzia de beges e pretas, colocar na sacola e levar prá casa. Nem preciso experimentar. Estava exatamente no gesto de pegar as calcinhas quando me dei conta que não importava a cor, o estilo, era só algo para cobrir o corpo. Neste momento perguntei ao coração aonde eu tinha esquecido a minha alma feminina. Onde foi parar o sexy appeal, o cuidado em escolher lingerie para ocasiões especiais, as camisolas sedutoras…. Por um instante me remeti aos 19 anos quando, com o primeiro salário, comprei um conjunto de calcinha e sutiã importados. Tecido sintético delicado, novidade na época, com estampa clara num xadrez azul e branco, enfeite de rendas, estilo Brigite Bardot dos anos 60. Foi a partir desta aquisição que descobri a graça do bem vestir na intimidade, mesmo que fosse apenas para mim. Mas naqueles tempos havia muita liberdade conquistada através da pílula anticoncepcional que veio mudar o comportamento das mulheres, a forma de encarar o mundo e fazer escolhas. Ser dona do próprio corpo, permitir seus desejos com total consciência … Em plena maturidade, como num filme, me veio à memória os lençóis de seda, quartos floridos e perfumados, coleções de lingerie, meias de seda, colares de pérola, jogos de sedução, uma rica vida de muitas emoções. Em que momento tudo isso acabou? Ainda estou buscando a resposta, reconstruindo a trajetória e para começar devolvi as calcinhas comportadas para a vendedora e levei um conjunto de renda preta. Vou ser feliz…
Foto : Cláudia Schembri
Adorei. Também me sinto assim… Sou feliz
Amei.