Pela janela

Na volta da praia, corpo feliz com o sal e ainda quente do sol, antes de fechar os olhos para o banho – aprendi recentemente a me lavar exercitando o tato – vi da janela um Aracuã se equilibrando nos galhos finos da árvore no jardim em busca dos pequenos frutos… Tentei fotografar mas a ave foi rápida e se escondeu entre os galhos… Mas essa cena bastou para me levar a uma reflexão durante o banho e ao logo do dia… Qual mágica uma ave pesando em torno de meio quilo e medindo por volta de meio metro faz para pisar tão delicadamente, quase flutuar, a fim de colher seu alimento?

Fazendo analogia com a vida, colocando os pés no chão, percebi quantas vezes para sobreviver fui Aracuã… Quando em cima do galho fino, buscando proteção entre folhas e frutos, diante do desafio surgia o equilíbrio numa força que sabe Deus de onde vinha e resolvia o que parecia impossível… Com o passar do tempo, como se olhando no retrovisor, claramente revejo a caminhada, sem fantasias, mas só com um pouco de poesia e carinho. De galho em galho, de árvore em árvore, buscando e colhendo frutos, cheguei aonde estou muito mais paciente…

Quando vim morar na Bahia, fiz um site pessoal, semanas de trabalho tentando me alfabetizar em html, errando e acertando, e na apresentação escrevi algo como: hoje não sou mais ventania, sou vento morno…  Na época que escrevi eu ainda não era assim, mas foi uma boa previsão de um futuro que, 18 anos depois, percebo realmente ter atingido… O ditado português “”dou um boi para não entrar numa briga, mas dou uma boiada para não sair” desapareceu do meu discurso… Estou mais para conciliar, buscar o caminho do meio, encontrar uma saída…

Isso não me impede de sair pelo jardim interrompendo algum caminhão enorme que entre pela servidão (a ruela que leva à praia) para fazer entregas na pousada ao lado…. Até pouco tempo não entravam, tudo chegava em carros ou carrinhos de mão… Mas desde o dia que precisei cortar o galho do cajueiro que era um lindo adereço e impedia o acesso à veículos maiores, descobriram o caminho mais fácil e menos correto. Mesmo sem poder manobrar, caminhões enormes entram arrancando os galhos das árvores que ainda resistem e se derramam pela pequena rua… O desrespeito me incomoda, seja ele qual for, e nessa hora volto a ser ventania… Mas a revolta dura pouco… Respiro fundo, procuro ver o ridículo que é sair brigando por conta de alguns galhos maltratados ou por qualquer coisa… A vida é curta e boa… E vou aprendendo cada dia a causar menos impacto externo, buscar equilíbrio como o Aracuã, olhar mais às árvores, o movimento do mar, as estrelas nas noites escuras, e me descobrir de olhos fechados embaixo do chuveiro….

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