Mudam os tempos, mas os desejos são iguais

Entrei no túnel do tempo quando, segunda-feira, pouco antes das 7 da manhã, iniciando os alongamentos no pilates, fui interrompida com um carro parando na porta do estúdio e dele saindo a professora puxando uma malinha, ainda com o figurino da noite .

Eu ali me vi há mais de 50 anos, recém separada, com um filho pequeno, voltando à vida social nas noites do Rio de Janeiro nos anos 70. Exatamente o que acontece com a Tai, a fisioterapeura que há 9 anos me iniciou no pilates e mora ao lado do estúdio.  E quem conhece a Bahia sabe que esta é a época das grandes festas/shows e, aproveitando o novo status, voltava com uma amiga da melhor de todas no sul da Bahia, o Pedrão na cidade de Eunápolis.  

Enquanto ela trocava o vestido preto e as botas pela calça legging e a camiseta do pilates, continuei nas minhas práticas e pensamentos. De repente, me vi pegando um taxi na porta do prédio onde morava em Botafogo rumo ao Flag, o bar que o Chef Zé Hugo Celidônio abrira em Copacabana, uma das maravilhas das noites cariocas no início dos anos 70.

O Flag fora instalado em uma uma casa dos anos 30 na esquina das ruas Aires Saldanha com Xavier da Silveira.  Na parte de cima, um piano-bar onde se revezavam alguns pianistas, me lembro do Laércio Freitas e Luiz Carlos Vinhas, sempre acompanhados de crooners incríveis, como Emilio Santiago. Ao longo da noite passavam notáveis para dar uma “canja”, como Johnny Half, Simonal e Nara Leão (gravou um álbum ao vivo, “Palco, Corpo e Alma”). Na parte de baixo havia um elegante restaurante estilo parisiense, o L’Orangerie.  Zé Hugo morou em Paris na década de 50 e ganhou notoriedade por adaptar técnicas de pratos de tradições italiana e francesa com temperos brasileiros.  

Apesar de todo esse luxo e glamour, nada impedia que, por “costumes da época” ou para proteger os frequentadores elegantes de “moças da noite”, era proibida a entrada de mulheres desacompanhadas… Que tempos!!! Como jornalista, frequentadora assídua, quando chegava sozinha o porteiro para seguir as regras, chamava um dos músicos amigos para me receber e assim liberava o acesso. Tenho na memória grandes momentos…. Muitas risadas, copos de whisky com muito gelo, uma nuvem de fumaça no ar – sim, todos fumavam muito – e entre os tantos shows inesperados um momento único: Simonal cantando “Tatuagem” encostado ao piano.

Sem o clima intimista do piano-bar, Tai está vivendo seu momento de liberdade definido como “adolescente com cartão de crédito”. A desnecessária companhia de um homem para entrar em qualquer lugar, faz uma grande diferença. O cartão de crédito e a autonomia profissional também. Com as amigas foi curtir as noites do Pedrão e os shows de Ivete Sangalo, Belo, Ana Castela, Maiara Maraisa e grande elenco. E ainda fez registro para a posteridade no paredão “instagramável”. Se não sumirem do celular, essas fotos serão uma ótima lembrança quando chegar na minha idade. Lamentavelmente não tenho qualquer foto das noites no  Flag… Mas na memória passa um filme…

Uma resposta para “Mudam os tempos, mas os desejos são iguais

  1. Incríveis histórias e vivências!!!

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