Um filme é sempre uma viagem. Não importa o gênero, do desenho animado ao triller, aventura, romântico, suspense, cada um viaja com seus pensamentos na historia dos outros e faz um filme paralelo. Ontem eu vi um filme dentro de outro filme de forma contundente. “Hannah e suas irmãs”, Woody Allen, 1986 com Mia Farrow, Carrie Fischer, Michael Caine e Dianne West me levou de volta ao início dos anos 80 quando morei em New York. Voltei a andar pelas ruas então sujas do antigo East Village, caminhei estalando folhas secas e vermelhas de outono no Central Park, vi a neve da janela do pequeno apartamento de Larchmont, fumei nos restaurantes e ouvi Frank Sinatra cantando “Bewitched, bothered and bewildered and I, lost my heart, but wath of it ?” achando o máximo entender o significado das palavras, pois cheguei a Big Apple analfabeta em inglês. Senti o cheiro que sai dos respiradores do metrô nas calçadas e do peru na mesa do jantar de Thanksgiving; senti o vento frio das esquinas e a brisa morna das tardes de verão que pareciam ser eternas…
Andei pela minha vida passados 30 anos com sonhos e planos. Vesti um paletó de lã com xadrez miúdo, me enrolei num cachecol enorme, calcei botas de neve e usei um chapéu de lã. Sentei num café no alto da Grand Central Station de onde podia ver o movimento de milhares de pessoas no fim do dia. Fiquei ali repetindo o programa das sextas-feiras, o meu presente em forma de uma ou duas taças de vinho branco californiano enquanto beliscava uma raclete de queijo com pedacinhos de pão. As cenas corriam e as minhas historias vinham num filme paralelo. Usei meias de nylon com sandálias no verão, fui à praia de trem, tomei sol na hora do almoço comendo um “tuna fish salad” ou um autentico cachorro quente sentada nas escadarias da igreja de Saint Patrick na 5ª. avenida. Assisti Cats na Broadway pela nonagésima vez, revi na TV o filme que conta a historia do Neil Diamond, ouvi Willie Nelson na vitrola, entrei em lojas de departamentos para procurar alguma roupa bacana em sales e carreguei as compras do supermercado em sacos de papel pardo.
E revi a cena de fechar as 4 malas para voltar ao Brasil embrulhando entre lençóis e roupas, um aparelho de jantar coreano, uma chaleira que apitava e um telefone sem fio. As vezes perco um pouco do tempo pensando qual seria o caminho se não tivesse voltado em 1984. Por um triz, por pouco, muito pouco não me tornei americana. Quase aprendi um dos hinos patrióticos… Não lembro quais eram meus planos para o futuro, a não ser o óbvio de ter uma vida feliz ! E o melhor foi chegar até aqui e ainda lembrar nesta vida de outra vida…
Gostei muito e me transportei a cada palavra e emocao sua.
Uma beleza de crônica, Léa.
bjs
Quem morou lá por muito tempo, vai saborear coda palavra sua, pois NYC parece trazer em si essas sugestões de degustar a cidade em sua essência.
Que delícia as suas palavras, que bom que eu li!