Grãos da mesma espiga

Quando fechei a porta do elevador e vi a luz desaparecendo nos andares abaixo, voltei para o apartamento refletindo sobre irmãos.  Acabara de despedir da minha irmã que viera passar um fim de semana paulistano e nesse momento entendi um pouco mais prá que servem os irmãos. Eles são bons prá lembrar que um dia eu tive catapora, dos detalhes do casamento de outro irmão, dos nomes de toda a família, de quem casou com quem, de quem morreu e nasceu, na verdade, aonde está a minha raiz. Irmãos lembram a essência da família, a educação, ética e moral passada pelos pais. Fazem refletir por que razão nascemos desta familia, o que mais profundo existe nesta relação. Irmãos repetem a oração do “Santo Anjo do Senhor meu zeloso guardador” e remetem a um tempo que só nós vivemos juntos, que nenhum marido nem filho nem o amante nem o amigo mais próximo pode conhecer : a infância. Mesmo que não tenha mais picolé de groselha na padaria da esquina e o sorvete agora seja de iogurte, irmãos fazem lembrar o sabor daquele pedacinho de gelo avermelhado e doce espetado em um palito, que nas primeiras lambidas ficava branco e se comprava por dois tostões. Quase nada é preciso dizer aos irmãos, e por mais que se cresça eles conhecem nosso jeito até em mudar de assunto quando o que está sendo falado não deve ser revelado. Irmão tem intimidade, mas não são invasivos. Respeitam o espaço, sabem que o tempo passou, e por mais que tenhamos seguido outros caminhos estamos ligados por uma linha invisível e eterna da vida. Irmãos lembram gargalhadas infantis, pegar a bicicleta sem pedir licença, o primeiro porre, o namoro escondido, o roubo da lata de leite condensado para tomar escondido na hora de dormir, embaixo do cobertor, como uma mamadeira. Irmãos têm a cumplicidade ao dividir um bife acebolado quando a fome é muita e a comida é pouca, emprestar aquela roupa nova, o perfume favorito e jamais contar para os pais o horário que chegou na madrugada. Mesmo que os irmãos estejam afastados, brigados por alguma razão que jamais considera tola, por conhecermos seu caráter somos até complacentes com seus erros, afinal somos grãos da mesma espiga.  Os irmãos servem prá lembrar que por mais que o tempo passe quando estamos juntos somos eternas crianças.

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4 Respostas para “Grãos da mesma espiga

  1. Léa, os irmãos são os nossos únicos e eternos cúmplices, mesmo que a vida nos separe. Com eles é possível que apenas um olhar seja mais eloquente do que as palavras. Fazem parte do nosso presépio de infância, que é único, como um código genético. Sua crônica me emocionou demais, porque esse parceiro e grande amigo eu tive o privilégio de ter, durante 54 anos. Agora, quase 9 anos depois de sua morte, está entronizado no meu coração. Mas que falta faz não envelhecermos e vermos juntos os netos chegando… Um beijo e obrigada pelo lindo texto.

  2. Muito lindo
    beijo grande
    Viviane

  3. Que bom dar uma paradinha no tempo, nos afazeres e voltar à infância. Foi o que experimentei ao ler o seu texto. Deve ser muito prazeiroso pensar, e colocar no papel, e ainda mais, ter a generosidade de dividir com outras pessoas. Voltei prá “lá” e encontrei você também. Saudades de tantas coisas… beijos

  4. Ângela Ghizi Guimarães

    Léa, teus textos me fazem parar. Releio, outras frases ainda releio novamente…fico pensando, outras até me emociono e choro…(uma eterna aquariana romântica, manteiga derretida, tem jeito, não). Às vezes, dá vontade de ler em voz alta, outras fico olhando o monitor, refletindo, absorta…sei lá mais o que… Este, como somos 6 irmãos, vou pedir licença e publicar, em nota, no meu FB. Obrigadíssima, bj

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