Querido amigo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acordei com você em meu pensamento querendo saber como está o batimento do seu coração, o aperto no peito e a dor profunda na alma frente à proximidade da consolidação do fim do casamento de tantos anos. Creio que você já sentiu isso quando ela se foi e deve ter sido forte a dor do abandono. Fica mesmo um enorme vazio e um grito que parece, jamais sairá da garganta. Passei por isso algumas vezes. Mas depois a vida vai ganhando seu próprio movimento, a gente também procura novas atividades e quando se percebe, aquele vulcão interno silenciou.

Até o dia em que tudo o que ficou parado retoma com outras cores frente à mesa de um juíz que sem saber da intimidade a dois vai definir o que é de quem. Não definir quanto as mágoas, pois estas cada um sabe de si. Mas o que dividir de material da relação de tantos anos. Eu já sentei numa mesa assim e ouvi da outra parte a reclamação de que havia levado um banquinho da cozinha! Não reclamou da ausência do filho, mas do banquinho de madeira.  Percebi que o “banquinho da cozinha” era uma forma velada de falar sobre os sonhos que acabaram, a não concretização dos desejos de uma vida em comum e da decepção com o outro com quem se dividiu suores em noites de amor e foi testemunha de uma terrível dor de barriga. Fatos corriqueiros entre os casais, coisas tão íntimas de que só se tem com quem divide o mesmo teto por longo tempo. Até mesmo reconhecer o outro com os olhos fechados através do hálito matinal ou aquele cheiro de shampoo que exala nos cabelos molhados.

Mas agora frente a frente, separados por uma mesa, cada um armado com seus defensores serão discutidos só assuntos perecíveis. Os sentimentos, mágoas e as decepções poderão transparecer quando os olhares se cruzarem, mesmo sem uma só palavra. Passei duas vezes por esta situação e não me lembro de em nenhuma delas ter conseguido pensar nos bons momentos frente ao juiz.  Foi como se tivessem incinerado todos os álbuns de fotos das alegres viagens. Ficou apenas um gosto amargo de engano. Não digo que fui enganada, mas posso ter me enganado na escolha do parceiro.

Mas como tudo na vida, isso também passará. Como passaram os pilequinhos de fim de noite, o sal do corpo molhado dos passeios ao mar, o buscar estrelas em noite escura.  Ainda bem que o tempo transforma, mesmo que doa tanto esta mutação. Talvez uma dor menor do que a   borboleta quando sai do casulo para voar…Novas asas para você e lembre-se que todos seus amigos estarão aqui para ajudar nestes novos tempos.

Um beijo carinhoso

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3 Respostas para “Querido amigo

  1. Belo texto. Lindo e lúcido, como sempre!

  2. Quanta delicadeza, fruto de uma alma iluminada.

  3. A iluminação vem com a experiência consciente, com a pós reflexão sensata, com a segurança de que somos responsáveis por nossa felicidade particular.
    O certo, é que “no olho do furacão” só vemos o pânico por não sabermos o que acontecerá quando cairmos no chão ao fim da torrente. Sobreviveremos e a sobrevivência é o melhor sentimento do mundo, a vida fica muito maior do que jamais supomos.
    Sim, há muita vida após uma separação, duas, três, quatro (como é o meu caso) e a cada uma, tudo fica ainda melhor, muito melhor.
    Dizem que há vida até após a morte…Pra que sofrer mais do que se deve?

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