A primeira vez que o vi foi na varanda da pousada. Um homem alto, nem feio nem bonito, barba por fazer, fumando muito e de vez em quando perdia o olhar no horizonte do mar. Tinha vindo da Itália esquecer maus negócios no ramo dos tecidos de seda e o fim do casamento. Devia ter mais de 50 anos e conversamos um pouco aquela noite. Era um novo vizinho. Ficou morando na pousada por algumas semanas, depois alugou um quarto ao lado, na casa de uma italiana muito querida. Podia não vê-lo, mas ouvia a sua tosse e sentia o cheiro do seu cigarro.
Um dia ele foi embora, creio que cumpriu o prazo do visto de turista, e deixou avisado que em breve voltaria para morar. Não sei se passaram meses ou anos, um dia o reencontrei na rua. Cumprimentou com um movimento da cabeça e continuou andando chutando as pedras do chão. Soube depois que tinha alugado uma pequena casa e passava os dias trancado entre a pequena sala e o quarto, fumando e bebendo. Não saía nem para perder o olhar no horizonte do mar.
E assim se tornou uma pessoa esquecida entre os que o conheceram. Um dia na “radio balsa” chegou a notícia que o estado de depressão somada ao alcoolismo e a desnutrição estava matando o homem das sedas. Um amigo também italiano conversou com outros da grande colônia neste sul da Bahia e acertaram uma ação para devolvê-lo ao país de origem. Convenceram o homem a voltar para casa. Compraram passagem área, providenciaram no dia da viagem que o homem tomasse banho e se barbeasse, contrataram um taxi, fecharam as malas e se despediram.
Assim partiu da vila o homem vestindo o que melhor havia restado. Entrou no taxi com uma pequena mala nas mãos rumo à balsa. Atravessaria o rio e de lá seguiria para o aeroporto um percurso com pouco mais de 20kms. Mas ao chegar do outro lado, o homem avisou ao motorista que ainda tinha questões para resolver. Pediu para ficar em uma pousada, seguiria mais tarde com outro amigo. O taxista com a corrida já paga, partiu sem se preocupar na entrega do passageiro. E assim o italiano se trancou no quarto, bebeu, fumou, bebeu, fumou até ser encontrado morto dias depois.
Lembrei desta historia triste quando conversava com amigas sobre o desafio de escolher morar em uma pequena localidade, longe de onde se cresceu e se construiu uma história, em que por ser um local sem referências de passado tudo é permitido. Não há o olhar da censura e o que estava desejoso por dentro salta pra fora. Um pulo para perder a medida, uma dose a mais. Como o álcool é uma droga socialmente aceitável, fica ainda mais fácil. Um alívio passageiro da ansiedade, camufla a sensação de mal-estar e tristeza, uma possível depressão, e tudo vai se perdendo no caminho… A compostura, a elegância, a inteligência e qualquer dia até se esquece que escolheu viver em um local pequeno exatamente para ter qualidade de vida… Ah! este ser humano tão fugitivo de si mesmo…
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Comentários
Luciene Setta em O REI E EU Paloma Piragibe em Inspirações e referências Analu Neves em Que mulher é essa ? Angela Ghizi Guimarã… em Que mulher é essa ? Marilia Barbosa Nune… em Que mulher é essa ?
A cada texto seu, mais beleza e sensibilidade. Estou impressionado. Parabéns! Beijo
Enviado via iPhone do Roberto Abramson.
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Gostaria de saber colocar em palavras ordenadas o que sinto assim como faz tão lindamente. Obrigada por mais esse texto delicioso que me fez imaginar viajando num filme com seu relato.
bjo