Falta luz. Às vezes isto acontece e não é apenas um problema da vida semi rural. Agradeço por não ter que subir 10 andares de escada, não ficar presa num elevador ou num escritório onde as janelas não abrem. Sinto o silencio, ouço o canto mais claro dos pássaros, o barulho do mar batendo na praia, o movimento dos galhos nas árvores e ao longe as motos que passam em velocidade. Quando falta luz a noite o clima é de magia. Acendo velas pela casa, deito no banco do pátio e observo as estrelas. De vez em quando passa um vagalume, despenca uma estrela, o silencio é diferente. Até os pássaros tem um canto mais contundente.
Ainda tem bateria no notebook, posso escrever antes que escureça. Não nasci contemplando, aprendo com o tempo. Certa vez assisti a um filme de animação encenando a chegada dos portugueses no Brasil. Os índios olhavam para o mar e não viam as caravelas que estavam bem próximas a praia. Eles nunca tinham visto caravelas, como reconhecer uma? Em muitas das leituras de física quântica que às vezes me arrisco, Um Curso em Milagres por Skype, estudos sobre espiritualidade, reflexões sobre os poderes da mente, tem uma costura fina em comum: tudo o que vemos está de alguma forma espelhando o que há dentro de nós. Do amor ao ódio, do bom ao mau, do certo ao errado. São informações/imagens/conceitos pré-concebidos que recebemos/vimos/vivenciamos e a partir daí fazemos o nosso julgamento.
Mudar o tom da conversa, do olhar, faz uma grande diferença. Uma vez fui convidada para ser “ombudswoman” de um prefeito no Rio de Janeiro. Ficaria cada semana em um bairro ouvindo as reclamações, pedindo soluções aos secretários, dando retorno às comunidades. Não respondi de imediato ao convite que me dava status de secretária, fui ouvir às bases e concluí que em menos de seis meses estaria estressada, deprimida, ouvindo tantas dificuldades sem poder resolver. Agradeci e saí de fininho sem queimar a relação com o amigo gestor.
Como não convivo com tanta violência urbana, posso pedalar pelas ruas sem medo e andar com as janelas do carro abertas. Outro dia assisti a uma cena engraçada: um carro com turistas percorria em baixa velocidade a rua principal de Cabrália como se procurasse a localização de algum destino a visitar, quando um informante de turismo saiu correndo atrás do veículo para entregar um mapa. Imediatamente o motorista assustado fechou a janela, acelerou e na certa pensou que era um assalto. Ainda não vivemos assim. Nas últimas semanas aconteceu a seleção para profissionais ocuparem diversas áreas no quadro de funcionários da prefeitura. Salários menores do que as grandes cidades, mas uma qualidade de vida incomparável… Chegaram inscrições de todo o sul da Bahia, além de Minas, Goiás, Espírito Santo…. Não sei se é o desemprego ou o desapego, mas sei que há uma busca para o melhor.
No fim de semana no restaurante à beira do rio, paisagem divina, fui apresentada a dois homens, um na faixa dos 60, outro pouco mais de 30, que estão viajando desde Abrolhos buscando um lugar para morar onde haja paz. Podem trabalhar à distância e ficaram encantados ao saber que além da beleza e facilidades para os atendimentos e necessidades básicos, nesta vila também tem um grupo de pessoas interessantes o que nos faz sentir menos sozinhos. Seguiram para Canavieiras, depois Itacaré, Barra Grande, Maraú, Taipu de Fora e sei que foram levando a vila em suas retinas e procurando uma nova forma de construir seus sonhos.
Assistindo um noticiário na TV contando sobre a 10ª vítima de alguma faca, meu olhar se desviou da tela e pousou no porta-retratos onde meu irmão me sorri. Mais uma vez agradeci por esta oportunidade de fazer diferente os meus dias. Cada um sabe onde dói seu calo, diria meu pai. Posso perceber nas curtidas ou comentários das fotos que publico nas redes sociais quantos suspiros e ais. Sei que nem todos têm disponibilidade e coragem para recomeçar de outro jeito, e também muitos preferem o asfalto, as grandes edificações, o burburinho da cidade grande. Monóxido de carbono também vicia. Não digo que é fácil…. Conheço uma meia dúzia de pessoas que vieram e não deram conta desta placidez. Um casal que veraneava há anos por aqui aposentou-se em São Paulo comprou um belo terreno na praia, construiu uma casa linda e veio com tudo. Não se aguentaram um ano. Casamento desfeito, casa vendida. Uma mulher na faixa dos 50, filhos criados, chegou e ficou tão fascinada. Ligou para o ex-marido, um homem muito influente na República e pediu uma casa. Ele comprou, ela foi ao Rio buscar a mudança e sumiu. Caiu na real que para entrar numa busca interior tem que ter uma boa dose de domínio exterior. Não me admira a impetuosidade, mas a inconsequência… Eu quero porque quero sem medida e com pressa. Ninguém disse que seria fácil, poucos encaram uma noite no escuro, como esta que vem chegando e percebo por só ter a me iluminar a tela do computador. Vou acender umas velas, deitar no pátio e ver se as estrelas já chegaram.
texto encantador.
OLÁ LÉIA COMO SEMPRE CONSEGUE QUE EU VOLTE A STO ANDRE’, ESCREVE MUITO BEM !(pena que p viver neste paraíso preciso do vil metal) um abraço!
Delicioso seu texto! As vezes penso em tentar viver numa cidade menor, mas acho que tenho a real dimensão das dificuldades, então desisto. Mas fico feliz em ver que vc está contente e em paz com sua nova vida.