As Marcas

Uma amiga postou numa rede social uma foto da tatuagem que está alterando no pulso. O símbolo do infinito com as iniciais dela e do marido, uma prova do amor eterno, está desaparecendo… A letra inicial do nome dele foi apagada, assim como a relação que quase chegou aos 40 anos. Fiquei pensando que quando o amor acaba ficam marcas muito mais profundas que não tem laser ou tinta que remova. Como no poema de Drummond “de tudo fica um pouco”. Lembro de cheiros, roupas, sabores que ficaram no fim de relações. Manias, palavras, músicas, apelidos, algumas lembranças me acompanham até hoje.

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Qualquer um é capaz de fazer uma lista com detalhes, como diria Roberto “tão pequenos de nós dois”, de um amor que ficou no passado… Ou mesmo um amor que tenha sido curto mas muito intenso, pois o amor não tem tempo nem hora, tem fôlego… Vivi paixões profundamente, loucamente, algumas erradamente, mas sem qualquer julgamento, deixando seguir apenas o sentimento respirado, palpitado, suspirado… Mas nenhum desses amores senti vontade de tatuar o nome, uma inicial, um símbolo, uma lembrança… Era sair muito da casinha e, por mais loucuras que tenha feito, meu sentimento interior é bem comportado. Não era medo da pele envelhecer e a borboleta perder a cor, mas a incerteza de carregar no corpo, para sempre, alguma coisa que perdera o significado. Mas confesso que muitas vezes quis “ficar em seu corpo feito tatuagem” como Chico escreveu, e uma noite, no velho e bom bar do restaurante Flag, em Copacabana, fui cantada literalmente com esta canção. E é claro que “virei tatuagem” por uma noite! Memórias divertidas…
Há alguns verões, enquanto conversava na praia com a psicanalista Ana Veronica Mautner, passaram em nossa frente duas moças muito tatuadas. Nos entreolhamos e ela comentou que isso era falta de cueiro. Cueiro ? Talvez muitos não saibam o que é cueiro, aquele pano que embrulhava bebês deixando-os amarradinhos só com os bracinhos pra fora… Isto é coisa de mais de 40 anos…Segundo Ana, que pertence à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, autora de livros e que escreve na Folha e em algumas revistas, a pele, nosso maior órgão dos sentidos, é para sentir, é ali que reside o tato. O desenvolvimento começa no nascimento com o contato com a mãe, o sentir da fralda, da roupa, do travesseiro e, segundo ela, “a partir dessas imagens que formulamos nossas primeiras vontades – de alcançar, de conseguir, de empurrar, de ter força”. Como os bebês destes novos tempos são vestidos com roupas largas ou até nenhuma, nada impede o seu movimento, com isso seu tato através do corpo é muito pouco estimulado….
E assim, lá na frente, a tatuagem vem cobrir seu corpo, uma relação de tato que ficou esquecida, comprometendo o fluxo de tomada de decisões pela vida afora e acaba sendo um elemento de interface entre o ser e o mundo. Faz sentido esta conversa, se pensar que os bebes já nascem tão livres, praticamente com um controle remoto na mão, completamente independentes e donos de suas vontades. Mas apesar de admirar tatoos de amigos, alguns com verdadeiras obras de arte no corpo, não me inspiro a fazer qualquer desenho. Nem uma borboletinha na perna, um coração no pulso, uma flor de lótus nas costas, um pássaro no braço, uma estrelinha no bumbum, um símbolo do OM no seio…. As marcas da minha vida estão todas na memória, e que Deus as conserve para sempre…

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