Que bomba você está soltando ?

Entre as boas coisas de se ter uma pequena pousada é a oportunidade de estar com amigos, conhecer amigos dos amigos e fazer novos amigos que me encontram através da internet.  Não tenho uma pousada padrão, por isso pesquiso antes receber alguém que não foi recomendado e sempre me surpreendo. O grupo vai se ampliando, vou costurando novas relações, conhecendo historias, ouvindo casos, aprendendo. Foi assim no último feriado quando recebi uma engenheira paulista, em torno de 40 anos, mochila nas costas, a mesma que usou ano passado no Caminho de Santiago.  Para aceitar a sua reserva foi complicado. Sem referências nas redes sociais, tive que abrir meu coração quanto a preocupação sobre quem é o hóspede e depois de alguns e-mails acreditei que valia a pena. E valeu mesmo. Ela não tem celular, leva uma bolsinha com fichas para telefones públicos, e só utiliza o email profissional. Não quis sugestão de táxi para chegar do aeroporto à vila, preferiu o ônibus local e aceitou que fosse buscá-la de carro na balsa. Além das boas conversas e de sua alegria com tanta liberdade como viajante solitária, antes de partir deixou dois pequenos presentes: um chocolate da sua cidade e uma pequena bola de argila recheada com sementes de árvores para jogar em alguma estrada e deixar florescer.

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Desde então, tenho olhado para a pequena bomba transformadora da natureza, pensando em qual estrada irei jogar…. Puxando o fio da meada, entrando um pouco mais a fundo, reflito o que tenho espalhado por este mundo… Mais do que fazer amigos vou à luta para conservá-los. Tenho alguns desde a infância, os reencontrei nas redes sociais, o contato é virtual ou por telefone, seguimos caminhos tão diferentes que temo encontrá-los e nosso assunto ser só o passado. Mas não importa a língua que estamos falando, sabê-los por perto me faz feliz. As amizades construídas na escola, depois na vida profissional, me dão uma enorme alegria mesmo com o convívio distante. Têm sido cada vez mais raros os encontros e são estes amigos que alimentam a minha memória, fazem lembrar a trajetória… Alguns de forma mais atuante, outros passaram ao largo, mas ouviram, viram, viveram o mesmo tempo.

Às vezes penso como eu estaria hoje se tivesse permanecido casada – vale para os dois ex-maridos -, se não tivesse deixado a redação do jornal, se continuasse morando nos Estados Unidos, se não tivesse me demitido da Globo e hoje fosse autora de novelas…  Fiz escolhas, joguei muitas “bombas”, deixei marcas, sei que deixei lembranças por onde passei…. Tenho consciência que não estou à margem da vida que me foi dada… Entrei de cabeça em todos os projetos e sei que isso me valeu algumas brigas por cuidar com zelo da terra dos outros, semear com carinho, cuidar da colheita que nem sempre usufrui. Mas me orgulho até das inimizades que surgiram e, como sempre, quase que num toque de mágica, se tornam “os melhores amigos”. O que tem me irritado é ainda encontrar “pessoas solo árido” que não querem botar a mão na massa nem se comprometer com o próprio caminho. Esperam a banda passar, não vão atrás dela.

Soltei bombas em terreno novo, bem adubado, colaborando para construir grandes eventos, megaprojetos que se multiplicaram e se tornaram reconhecidos internacionalmente… Sementes jogadas com muito amor, falando sobre um mundo melhor para alguns milhares de estudantes em 25 universidades portuguesas…. Ainda me lembro dos olhares incrédulos dos jovens na plateia ao constatar que uma mulher com cabelos grisalhos estava ali para falar de rock… E no final éramos “uma só voz uma canção num céu de estrelas…”

Crio “bombas” misturando essências, credos, filosofias, pensamentos e vou soltando no caminho da praia agradecendo pela vida, meditando na balsa, repetindo todos os dias, ao abrir e fechar as tantas portas da minha casa, a pequena prece de gratidão que escrevi: “Bem-vinda a alegria, a saúde e a prosperidade. Fartura, amor, amigos e felicidade estão chegando. ”

Em tempo:

As bolas de argila, também conhecidas como bombas da paz, tem o nome original de “nengo dango”, foram projetadas e desenvolvidas pelo japonês Masanobu Fukuoka, agricultor, mestre e sábio observador do comportamento da natureza permitindo agir a partir da ciência ambiental. Comprometido em restaurar solos e vegetação criando condições para o desenvolvimento de massa de árvores novas (…) Encapsular sementes em argila tem um alto valor simbólico: o enorme poder da ecologia, simples social, a capacidade de criar vida como parte da responsabilidade de deixar aos nossos descendentes um planeta habitável contra o desafio incontornável dos tempos.http://www.movimentoterraqueimada.com/news/manual-de-fazer-bolas-de-sementes/

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