Acordo com a notícia da morte de Helio Eichbauer. Conversamos poucas vezes, e ele nunca soube o quanto é relembrado quando vejo minha trajetória. Assim escrevi no primeiro capítulo do livro “A Verdade é a Melhor Notícia”…
“1985
Um calor insuportável naquele mês de março, só quem mora no Rio de Janeiro conhece o prenúncio da chuva. Ainda eram raros os carros populares com ar condicionado e do ventilador do meu Chevette vermelho saía um bafo quente que era melhor deixar desligado. Eram quase 3 horas da tarde quando estacionei na Catedral Metropolitana e fui caminhando até o prédio do Teatro BNH, uma construção impactante. Um marco da arquitetura da década de 70, com forma piramidal e fachadas decoradas com esculturas dos artistas Carybé e Pedro Correia de Araújo.
Na entrada me recompus do suor, olhei o rosto no espelho, ajeitei o cabelo, passei batom e fui até o porteiro saber se Elda Priami havia chegado. Ele não tinha visto a companheira de redação do jornal O Globo que havia me convidado para fazer um free lance na “divulgação” de uma peça que estrearia naquele teatro. Quando Elda fez o convite sabia que meu forte não era “divulgação”. Eu tinha percorrido algumas redações como repórter, colunista, editora e diretora de revistas. Ela fora sócia da produtora Norma Thiré e nesse período, promoveram grandes espetáculos. Eu voltara recentemente dos Estados Unidos onde vivi por quase 3 anos e estava atirando para todos os lados: retomara meu trabalho no jornal O Globo como colaboradora em reportagens/críticas de shows, pesquisava e escrevia para a minissérie “Caso Verdade” da TV Globo e pela manhã era uma das redatoras do programa “Cidinha Livre”, na Rádio Tupi. Trabalho não me assustava. Elda era contratada do jornal onde prestava serviço em horário integral escrevendo nos cadernos de moda e comportamento. Com essa agenda, seu tempo para trabalho extra era mais restrito e daí o convite.
Em uma época em que não havia celular e por perto nenhum orelhão (telefone público) disponível para saber o que acontecera, fiquei esperando no lobby do teatro admirando os belos painéis entalhados em madeira. O local estava fresco, o que era um alento. Mais de meia hora se passara até que surgiu um rapaz alto, magro, moreno que perguntou se eu procurava alguém. Falei sobre a Elda e ele se apresentou como José Alberto Muchaki, produtor da peça, e me levou ao escritório onde encontrei Renata Sorrah. Eu conhecia Renata há muito tempo, pois no início da minha vida profissional fui repórter da revista Amiga e depois, quando casada com Régis Cardoso, diretor de novelas da Globo, convivia com grande parte do elenco da emissora.
Renata falava com vibração sobre “Grande e Pequeno”, a peça que estava produzindo. Fui anotando tudo, como repórter, e saí do teatro com o compromisso de que Elda telefonaria para acertar detalhes. No entanto à noite Elda me telefonou com a mudança de planos. Constatara que estava com trabalho demais no jornal e não poderia assumir mais um compromisso. No mesmo instante telefonei para Renata agradecendo o convite e dizendo que, por falta de experiência para conduzir sozinha o trabalho, estava deixando o campo livre. Mas não esperava ouvir a resposta que mudou minha vida:
– Nós queremos você exatamente por nunca ter feito esse trabalho …
Renata Sorrah e eu estreávamos juntas. Este foi o primeiro espetáculo que Renata produziu e o primeiro que divulguei. Por não saber como começar o trabalho resolvi me aprofundar no assunto. Li a peça várias vezes, todo material sobre a montagem na Alemanha e fui conhecer quem era Botho Strauss, o autor que pela primeira era encenado no país. Não havia Google para ajudar na pesquisa e entrevistei o diretor Celso Nunes, o cenógrafo Hélio Eichbauer, o iluminador Aurélio de Simoni, a figurinista Kalma Murtinho, além dos mais de 10 atores entre eles José Abreu e Ada Chaseliov. Assisti muitos ensaios, passei noites acompanhando a montagem, e por fim escrevi um release com 14 páginas! Era tão grande que encadernei para as folhas não se perderem. Os releases que eu recebia tinham no máximo duas páginas e pouco conteúdo. Eu queria que os jornalistas percebessem que aquele era um espetáculo especial. Eu não era uma “divulgadora”, mas uma jornalista nesta função.

Renata Sorrah e o elenco da peça Grande e Pequeno : Abrahão Farc, Ada Chaseliov, Paulo Villaça, Catalina Bonaki, Telmo Faria, Joyce de Oliveira, Selma Egrei e Roberto Lopes
O release começava com a trajetória de Lott, personagem encenada por Renata Sorrah, uma mulher atormentada que visitava casas e apartamentos. As páginas seguintes eram dedicadas ao perfil do autor, diretor, cenógrafo, iluminador, figurinista e elenco. Era um compêndio. Para a divulgação eu só conhecia Flavio Marinho, do Globo; Macksen Luiz, do Jornal do Brasil e Arnaldo Branco, do Dia, nas funções de críticos/colunistas de teatro. Valia o capricho na apresentação.
Para que esta estreia fosse estrondosa, resolvi ampliar a linha de atuação e não ficar apenas na editoria de teatro. Fui a um jornaleiro super completo no centro do Rio que vendia publicações de todo o país e comprei um exemplar de cada. Nascia ali meu primeiro mailing. Através do telefone conferi cada endereço e enviei o que era praticamente um “book” aos editores não apenas do Rio mas também de São Paulo e principais capitais. O impacto com o material de qualidade – as fotos eram lindas! – foi atraindo a mídia e fui pautando reportagens do caderno de moda à editoria de negócios onde Sorrah surgia como investidora da sua arte.”
Resultado: Renata Sorrah foi um sucesso de público e de crítica, arrebatou diversos prêmios naquele ano e continuou em sua bem-sucedida carreira de atriz e produtora…. De minha parte, o que seria um “free lancer” se transformou em meu nicho perfeito na carreira de jornalista. Obrigada Helio Eichbauer, você faz parte do meu currículo…

Foto Ricardo Moraes – Folhapress