A pensão

saopaulo60

Veio a lembrança um tempo em que fui rebelde e saí do Rio atrás de um namorado em São Paulo. Devia ter uns 19 anos e em férias na casa de uma tia me encantei por um fotografo com mais de 40. Era irresistível! Cabeça raspada, jaqueta de couro e olhos azuis, elementos que bastavam para cometer a loucura de largar o vestibular, o emprego de secretária na Editora Abril, juntar as economias e tentar a vida em sampa… Claro que tinha tudo prá não dar certo, e não deu. Coração partido, sem querer voltar, recusei o convite para ficar na casa da tia, mas aceitei as indicações para ser “diarista” em confecções. Eu vestia tamanho 40 e, naquele tempo, as confecções contratavam moças para provar as roupas antes de irem para a produção. Era um tipo de manequim com vida e eu passava o dia entre as confecções nas proximidades da rua José Paulino para no final do mês ter um salário para o sustento básico, que incluía um quarto em uma pensão nas Perdizes. Pode parecer um relato deprê, mas neste período me diverti muito, fiz amigos incríveis, frequentei o templo da bossa nova em SP, o João Sebastião Bar onde ouvi muita música boa e vi muita gente começando.

Mas o assunto não é esse, na verdade eu queria contar sobre a pensão para moças onde morei. Era digna de um filme de Almodovar. Um casarão antigo e bem conservado, com 10 quartos, distribuídos entre dois andares e o quintal. Todos os quartos tinham o básico: cama, armário, mesa e cadeira. Os que ficavam do lado de fora, tinham o luxo de uma pia. O meu era assim. A proprietária era uma senhora um pouco gorda, passando dos 70 anos, cabelos brancos com reflexos azulados sempre arrumados, rosto bonito e rosado, baton vermelho, unhas pintadas e vestia blusas (ou camisolas? quem sabe peignoir ?) bordadas com rendas e babados. Ficava recostada em travesseiros, coberta por lençóis e colchas impecáveis, só aparecia o tronco. Ela não tinha as pernas.

Daquele local privilegiado tinha o controle total do seu negócio. Da janela próxima a cama via o quintal, da porta grande a escada, o movimento da sala do café, e de uma outra porta acompanhava a cozinha. Reinava absoluta. As portas do quarto só fechavam algumas horas por dia para a sua higiene. A cada entrada ou saída das hospedes era um cumprimento, uma palavra simpática, um sorriso. Um ambiente no maior alto astral sob o comando daquela mulher cujo passado não ousei perguntar. Não lembro se tinha família, mas era cercada por funcionárias muito dedicadas.

Quando decidi voltar para o Rio, três meses depois, ao me despedir fui recebida com um largo sorriso, uma xícara de chá com uma fatia de bolo, e uma profusão de afeto em forma de frases otimistas, como a importância de buscar o melhor para o meu caminho, da maravilha de ser jovem com tanto tempo para arriscar. Ainda não se falava em auto estima e auto ajuda, mas neste dia aprendi o que era resiliência…E seu sorriso, sua imagem, sua alegria até hoje me servem de exemplo.

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2 Respostas para “A pensão

  1. Lindo o relato da sua experiência de vida, Léa!

  2. 😊

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