
Em uma das mais remotas lembranças estou sentada aos pés da máquina de costura Singer admirando vovó cozer para a família. Enquanto agilmente ela movimentava os pés sob o pedal fazendo a máquina funcionar, com uma tesoura de ponta redonda eu recortava sobras de tecido e criava vestidos para as bonecas. Não sei se esta imagem é real ou se criei de tanto ouvir a mamãe contar o quanto eu me encantava com costura e ficava nos pés da vovó, mas o certo é que tesoura virou um fascínio seja para a costura, aparar as plantas ou cortar o cabelo. O sentimento que “cortar é crescer” faz parte da minha história, e isso em muito somou quando vim morar numa casa com quintal e muitas árvores que precisam de poda constante, quase que implorando “uma tesourada, por favor”.
Quando aos 15 anos fiz um curso de costura não tive medo de encarar com firmeza um tecido caro seguindo um molde duvidoso. Do algodão barato à renda, fui com a cara e com a coragem, e se não deu certo reinventei… Mas antes disso, aos 13, 14 anos, eu me arriscava no corte de cabelo da Laura e da Edna. Com idades próximas a minha, eram filhas de índios do Paraná e passaram um longo período morando em nossa casa. Brincávamos de produzir um salão de cabeleireiro embaixo da mangueira. Um espelho era preso no gancho da rede, enfileirados numa mesinha colocávamos todos os pentes da casa, tinha toalha para os ombros e talco para o pescoço. A tesoura era da costura e como elas tinham cabelos muito lisos, o trabalho era fácil. Aparava as pontas e franjas, e jamais reclamaram.
Creio que foi aos 20 anos que comecei a cortar os meus próprios cabelos ao comprar num camelô uma engenhoca que unia dois pentes e, entre eles, se inseria uma gilete. Como na época eu usava cabelo bem curto, estilo “Joãozinho”, ia penteando e cortando. Se algo dava errado, rapidinho o cabelo crescia e cobria as falhas. A ousadia de cortar com a tesoura foi com mais de 30 anos quando me olhando no espelho percebi que o cabelo estava horrível para o jantar de Thanksgiving na casa de Carol Greenwald em Nova York. Um evento programado há meses e como o orçamento era muito curto, o jeito foi aparar o comprimento. Os amigos de Westchester gostaram do novo modelo e não revelei quem fez a arte.
Esses foram meus pensamentos ao acordar enquanto passava as mãos no cabelo percebendo que o pior já estava acontecendo: o formato capacete. Como tenho muito cabelo se deixar crescer me transformo em Dona Léa, uma senhora respeitada de cabelos grisalhos. É um sentimento ameaçador, pois Dona Léa, definitivamente, não sou eu. Para não viver este momento me arrisco a tudo, até a passar a máquina 2 como já fiz algumas vezes.
E nos dias em que acordo assim, ainda lembro que certa vez ouvi um ilustre fotografo dizer que quando estava preocupado cortava o cabelo pois tinha a sensação de que os problemas iam juntos com as madeixas. Adotei esta teoria, por isso nesta manhã chuvosa, no caminho da cama para o banheiro, peguei a tesoura e em frente do espelho encarei o desejo de me reencontrar aos 20 anos com o cabelo um pouco arrepiado, desestruturado, aquela coisa sem compromisso, leve, desprendida, liberta, como creio que a minha alma é. Diante disso, já estou pronta para novos tempos.
OLÁ AMIGA QUERIDA…..SE NÃO ME ENGANO EU TE CONHECI DURANTE “ESTÚPIDO CUPIDO”…ASSIM…COM CABELO CURTO. NÃO FOI? PRA VARIAR O QUE ESCREVE É MUITO BOMMMMM……..BEIJOOSSS