
Acordei pensando no outono que se aproxima. Ganhei um presente ao viver junto da natureza onde tudo se vê, se sente e se percebe, e mesmo às pessoas menos reflexivas não tem como fugir da constatação da mudança do tempo. Entra pela fresta da janela um sol em horário diferente, um vento no fim da tarde, um verão terminando de forma tórrida em todos os pontos de vista…. De todas as estações o outono é a que me traz mais lembranças. Foi num outono que decidi ficar morando na América, me tornei um número a mais no Social Secutiry, aprendi a colher as folhas de Oak que cobriam o jardim; a lavar, passar, cozinhar ser mãe integral, começar uma outra vida com pouco mais de 30 anos. Eu era ninguém na Big Apple e me reinventei. Até aprendi uma profissão.
Foi quase chegando num outono, muitos anos depois, que percebi o caos que se anunciava no mundo. Há exatamente um ano deixei a Juliana num taxi rumo ao aeroporto fugindo do vírus. Ela estava de férias e diante das notícias voltou para casa antes do aeroporto fechar. E este ano nas telas da tv, do celular, do tablet e do notebook fui me dando conta de um mundo assustador… E também constatando literalmente que somos um… Não há rico nem pobre, nem títulos nem diplomas, nada garante estar livre do mal. Somos todos seres sensíveis ao vírus. Apenas o bom senso, os cuidados consigo e com o outro podem salvar. Um aprendizado que nos milhares de anos deste planeta, apesar de todas as transformações, o homem não tinha sentido de forma tão impactante.
E no meio desse triste cenário acompanho à distância uma amiga que há alguns anos convive com uma doença sem cura. Vai se adaptando com um mínimo de esperança, todos os tratamentos possíveis, mas às vezes se cansa. Hoje uma dor, amanhã uma melhora. Brindamos nos dias felizes, apenas escuto suas mensagens nos dias tristes. Ela é uma jornalista das boas, texto da melhor qualidade. Participou do movimento da luta armada nos anos 60, lindo currículo e diferente de mim não tem fé. Respeito e rezo por ela. Nos momentos mais complicados rezo dobrado, para que vença a doença e o vírus não a abrace.
Aguardando o outono tudo isso me vem à mente… Se não tivesse alguns quilômetros de praia para andar, se não percebesse que alguns passarinhos têm sumido, mas em compensação outros estão voltando, se não fossem as luas cheias iluminando meu jardim todo mês e o sol nascendo todas as manhãs mesmo com todo esse pavor comendo solto no mundo, se não fosse o mar de nuvens que dança no céu azul, eu não teria resistido com um mínimo de bom humor e muita esperança… Às vezes perco a inspiração, deito na rede da varanda, viajo nas boas memórias, penso em escrever um livro e desisto, assisto uma série na TV, tiro a sesta depois do almoço, me dou ao direito de ficar simplesmente observando o movimento da natureza. Sem pressa nem hora. Sem agenda, sem obrigações… Viver o que me apresenta e esperar mais do que as folhas das árvores mudarem de cor, a chegada da vacina…