
Há uns 10 dias, estava voltando do mercado, quase meio dia, em plena travessia da balsa no rio João de Tiba, quando chegou a mensagem no whatsapp : “Vem correndo para o posto. Tem vacina sobrando.” Meus olhos se encheram de lágrimas. Meu carro fora o último a entrar, seria o último a sair. Queria que a balsa voasse, queria ser tele transportada para o PSF na entrada de Santo André, mas tive que engolir o choro e esperar a minha vez. Quando cheguei no posto tinham 2 doses sobrando. Já tinham chamado toda a lista dos moradores com mais de 73 anos, eu podia entrar na xepa. Mas junto comigo chegaram um sueco e uma alemã, moradores do povoado, mais velhos. Joguei a toalha. Voltei para casa certa de que em breve seria a minha vez….
Acompanhando os avisos da Secretaria de Saúde, uma luz acendeu na 6ª. feira com o convite para vacinação no fim de semana para pessoas acima de 73 anos… Faltava pouco pra mim. Até mandei uma mensagem para Renata, secretária de saúde de Cabrália, dizendo sobre a vontade de resgatar a carteirinha de estudante da juventude onde alterei a data do ano de nascimento para assistir a filmes impróprios para menores de 18 anos… Ter nascido um ano antes faria a diferença…
Mas antes da Renata responder kkkkkk , ao anoitecer chegou a notícia de que a vacinação no sábado tinha sido alterada para maiores de 70 anos…. Novas vacinas estavam chegando…. Perfeito! Entrada do outono, ano novo astrológico, saí mandando mensagens para os amigos da região com a boa nova… Às 4 da manhã eu estava acordada. Às 7h30 buscando as amigas rumo ao povoado de Santo Antônio, onde ocorreria a vacinação…. Não era drive thru como vejo nas grandes cidades, seria no PSF local…. Para quem não conhece, Santo Antônio é um dos três bairros separados do centro da cidade de Santa Cruz Cabrália por um rio. Os três bairros – Santo André, Santo Antônio e Guaiú – ficam às margens da BA 001, parte de uma longa estrada que corta a Bahia, mas que em 50 kms une Cabrália a Belmonte. Por ser o bairro mais populoso do outro lado do rio, concentraram as vacinações.
Um posto de saúde simples, uma salinha de espera, outras salas fechadas e do lado de fora uma sala para vacinação. Antes das 8 horas haviam 5 pessoas aguardando. A equipe da secretaria de saúde chegou pontualmente, deve ter atravessado na balsa das 7h30, duas enfermeiras e mais uma profissional da secretaria de saúde e foram recebidas com aplausos… Tudo simples, asséptico e prático… Apenas o número do CPF e a carteira de vacinação. As técnicas de enfermagem Brena e Daniani se revezavam nas picadas. Um algodão para estancar um pinguinho de sangue, o selo da vacina na carteira de vacinação e saí com sentimento de estar meio salva.
Passei o dia refletindo…. Fui invadida por um pensamento de que o país tem jeito. Viva o SUS… Se a vacina chegou em Santo Antônio, povoado com pouco mais de 2 mil habitantes em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, temos salvação. Estou acompanhando amigos mais velhos, moradores em grandes centros, que ainda não foram vacinados. Uma amiga em Milão, uma outra em Andorra, uma na cidade de Passatempo interior de Minas, outras no Rio de Janeiro…. Que privilégio a Bahia estar à frente…
Ser vacinada foi como subir num pódio. Todos deveriam ter este direito…. Cheguei lá pois fiquei quieta em casa, segui as normas de higiene, usei máscaras, mantive distância…. Não foi sorte… Muitos dos que perderam esta chance, já quase 300 mil, podem não ter queimado na largada, nem desistido no caminho, apenas foram atropelados por um descaso do próximo… O inimigo não é apenas o vírus, mas a forma como nos relacionamos com a proximidade dele. Tenho o privilégio de estar passando pela pandemia num local afastado, em meio à natureza. Não sei como resistiria se tivesse que estar num apartamento num grande centro vendo a vida pela janela… Quando assisto reportagens com pessoas aglomeradas em festas em clubes, boates, ou mesmo em vagões de trem, só me vem a imagem de um corpo em frente ao precipício ou com um revólver apontado para a cabeça numa roleta russa… Em alguns anos certamente virão muitas análises e estudos sobre o desamor e a desesperança nestes tempos de pandemia… Um desacerto em relação ao futuro… Ainda há muita estrada pela frente, aguardo 15 de Abril para a 2ª. dose e acredito que o grande desafio é as pessoas aprenderem que cuidar de si com consciência e responsabilidade é também cuidar do outro…
Estou assistindo tudo com ansiedade. Incrivelmente minha mainha foi vacinada já 2 vezes, la em Cabraália, graças a Deus. Aqui em NYC ja fuímos o epicentro há um ano, e agora estamos vacinando com força e tentando voltar a normal, mas tudo (a maioria) com mascaras e distanciamento. Em NY – tem problemas em outras lugares (Florida por exemplo), mas em geral não a gente não tem aglomeracões como as cenas no Brasil. Mas tem resistência, especialmente no centro do pais, mais conservativo, contra máscaras e a vacina.
Rezando para todos nós.