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Salut

champagne

Lembro quando terminei o primeiro namoro. Chorei o fim de semana todo. Fui para a escola sem saber como contar para as amigas que não tinha mais namorado. Lembro detalhes, perfumes, sabores e cores do final dos casamentos e de muitas relações. Mesmo sem amor, acabar sempre dói. É um pedaço que vai…

Já fiquei sentada à mesa de um bar, sem fôlego de tanto soluçar, ouvindo a indefectível frase “preciso de um tempo”. O rapaz valia a pena, mas não merecia tantas lágrimas. Não era o último biscoito do pacote. Outra vez caí doente de amor, como uma “dama das camélias”, estirada na cama, sem conseguir trabalhar. Fiz doideiras como jogar roupas pela janela, rasgar cartas em milhares de pedaços, não atender ao telefone e devolver as flores com o cartão amoroso pedindo desculpas. Fiz a loucura de fugir de uma cidade e para ser mais eloquente mudei de país.

Faz-se muito por amor e também por desamor. Quando a relação começa a deteriorar do outro lado não está mais o amigo, parceiro, amante, amado. Quem nos encara é um inimigo ameaçador que conhece as nossas fraquezas. Tudo o que se falou e se prometeu que seria pra sempre desaparece. As pequenas incompatibilidades se tornam gigantescas… É tão duro o processo que o sentimento é de que o mundo vai acabar.

Não sofro mais dessas dores, no entanto há algum tempo acompanho à distância o fim de uma longa relação e, mesmo com a lucidez de que não há mais amor e viver junto é impossível, o fim é caótico. É guerrilha, desconfiança, partilha. Quem leva o quê, restou o quê? E quando resta dignidade e a certeza do que se viveu foi uma história que chegou ao fim, mesmo com o rosto inchado e a sensação que até pode ser falsa de vazio no peito, mãos à obra. Limpe a casa, abra todas as torneiras, deixe escorrer a água do chuveiro, do vaso sanitário… Deixe escorrer também suas lágrimas até a visão fluir para novas imagens… Bata palmas, grite, faça barulho, retome o seu espaço… Jogue o que foi do passado fora, incluindo roupas comuns… Acenda incenso, faça a energia fluir, compre flores estoure um champagne e comemore !  Uma vida nova está nascendo.

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Coisa do passado

Foto : Paulo Martins, fev 1970

Eles estavam em crise. Ele parara de fumar, ela não. Mas isto fora apenas o estopim, pois na verdade ele chegara a casa com a camisa manchada de batom. Ela ja estava dormindo no escritório há alguns dias, aproveitaram o feriado para mandar o filho com os avós para a casa de campo, dispensar a empregada e ficar sozinhos para discutir a relação. Combinaram jantar num restaurante desconhecido para não correr o risco de encontrar amigos. Na hora marcada cada um saiu do seu closet perfumado e bem vestido e se encontraram na sala  vestindo-se com a mesma cor.

No jantar perceberam que ainda havia um clima. Nem tudo estava perdido. Voltaram para casa antes da meia noite. Ele a deixou na portaria justificando o encontro marcado anteriormente com um amigo num bar, mas não demoraria. Pediu que o esperasse no quarto deles.  Ela chegou ao apartamento saltitante. Era apaixonada. Retirou com cuidado a maquiagem usando os produtos que ele trouxera da uma última viagem a trabalho em Paris. Colocou uma camisola nova, foi fumar na cobertura do apartamento para que a casa não cheirasse a nicotina. Escovou os dentes, gargarejou diversas vezes para retirar qualquer vestígio do cigarro. Tirou a colcha da cama, deitou no espaço que até então era o “seu lado”, começou a ler e adormeceu. Acordou com o sol forte de verão carioca entrando pela janela e queimando seu pé. Eram 5h30 da manhã e ele não chegara. Levantou e começou a andar pela casa em desespero. Pensava na insegurança da cidade, no perigo de andar com carro conversível e até na corrente de ouro com a medalha do signo que ela lhe dera como presente e nunca mais tirara do pescoço.

Por pouco, muito pouco, tiram a vida de alguém, pensou ao se lembrar da corrente que mais parecia joia de bicheiro. Telefonou para o bar que ele indicara, disseram que já havia saído há algumas horas. Foi prá cozinha, passou café e ficou andando no terraço fumando e procurando coordenar as ideias. O que podia ter acontecido?  Esperou às 6 horas da manhã para telefonar para uma amiga que trabalhava em uma rádio. Contou a historia e a amiga pauteira acionou os repórteres para uma varredura nos hospitais e delegacias da região. Nenhuma notícia sobre ele. A esta altura, 8 horas da manhã, ela estava certa de que ele estava no motel com alguma vadia. Retirou a mala grande do deposito, colocou todas as roupas dele e deixou na porta. Pediu ao porteiro que avisasse quando de sua chegada. A cabeça viajava. Agora nada mais segura este casamento, repetia. Ele me enganou mais uma vez, canalha…

Andava pela casa separando mentalmente o que era dela e o que era dele. Passava das 9hs quando o porteiro interfonou. Ela pegou a grande mala e colocou do lado de fora da porta. Ele insistiu na campainha. Ela não abriu. Ele foi para a entrada de serviço e conseguiu abrir a porta, só estava presa por uma pequena corrente. Meteu os pés e entrou. Foi direto para o quarto. Cara lavada de sono, cabelo molhado. Fechou a janela do quarto, tirou a roupa e deitou. Ela abriu a janela e começou a falar feito uma matraca. Ele levantou e fechou a janela. Ela agora não so falava como tocava uma flautinha do filho em seu ouvido para não deixar dormir. Volta prá dormir aonde estava, repetia ela. E o abre e fecha da janela e a gritaria chegaram a um ponto em que ele olhou prá ela com tanto ódio que ela percebeu que não ia terminar bem esta historia. Saiu do quarto aos prantos, telefonou para o contador, o advogado, a empresa de mudança e quando ele acordou no meio da tarde o casamento tinha acabado. Ela naquele dia entendeu por que mulheres matam os maridos. Lembrou-se de uma conhecida que dera um tiro no marido por ter sido chamada de velha, humilhada. Existe um ponto tênue e  vital que quando tocado faz qualquer pessoa se transformar em monstro. Ela não quis alimentar este monstro, fechou a porta e nunca mais voltou. Ele passou o resto dos dias dizendo que ela era o amor de sua vida. Ela guardou ele como coisa do passado.