Respirou fundo, fez um pequeno movimento com as mãos mexendo na saia longa para realçar o franzido. Ajeitou o decote da blusa assegurando que as alças do sutiã estivessem escondidas, apertou o cinto que afinava a cintura, conferiu se os brincos de pérola estavam nas duas orelhas – quanta vezes esquecera de colocar um – , acertou no colo a medalha de N.Sa. da Conceição presa por uma fina corrente, e sem mesmo olhar para qualquer espelho percebeu que estava pronta. Postou-se no último degrau da escada para iniciar a descida triunfal. Conhecia o espaço entre os degraus, a curva quase na chegada e foi caminhando com suavidade, segurando delicadamente a saia para não tropeçar e olhando com altivez… Percebia que a sala estava repleta pelo burburinho,vozes e comentários. Todos aguardavam este momento e as expressões do espanto alheio provocavam um enorme prazer… Não tinha borboletas no estomago, estava segura. Esperara muitos anos por este encontro. Olhava para o alto, a atenção voltada para o enorme lustre de pingentes de vidro imitando cristal pendurado no meio da sala, os quadros que se intercalavam entre paisagens rupestres e natureza morta ocupando quase todas as paredes e as janelas longas da sala com um pé direito dobrado se debruçavam sobre uma varanda mostrando parte do jardim bem cuidado…
Antes de descer o último degrau e pisar na sala para encarar a multidão que suspirava com a sua chegada, levantou com cuidado a saia, olhou para os pés e estava descalça. Que vergonha! Engoliu seco, levantou os olhos e a sala vazia. Ninguém falara nem suspirara. Não era esperada. Mas onde estou ? De quem é esta casa? Com a saia levantada, desesperada saiu correndo pela sala, atravessou corredores entrou em todos os cômodos encontrou roupas e objetos que deveriam lhe pertencer. Olhava tudo abobalhada. Como ficaram abandonados por tantos anos? E se é uma casa alugada quem era o fiador ? Não cobraram os aluguéis atrasados ? Não fora despejada ? Será que seu nome estaria no SPSC ?
***************************************************************
Casas e apartamentos surgem em meus sonhos há muitos anos … Um sonho que de tão familiar nem sinto como pesadelo… É uma cena recorrente, um filme com o mesmo roteiro que muda de cenário, mas me traz moradias que poderiam ser minhas … Nem sempre desço a escada com o vestido longo e um rosto que desconheço… Mas é um pensamento constante que surge mesmo acordada. Já as casas esquecidas são tão reais que chego acreditar que existiram e fico procurando em que momento de minha vida passei por elas… Algumas reconheço a textura das paredes, a luz que entra pelos vãos das janelas, o cheiro das roupas guardadas e até o sabor dos restos de comida que ficaram na geladeira. Mas jamais existiram. De onde fugi, por que abandonei estas vidas, não sei… Sei bem da vida que levo agora.
Você não está só nesses sonhos,Léa.
Eu também sonhava, com casas e pessoas que não sei de onde eram.
Há uns dois anos,não acontece…
Que sonhos curiosos! Pelo jeito suas “outras vidas” foram tão interessantes quanto a atual! Minha filha caçula também tem sonhos que parecem filmes. Mistérios…….. Muitos beijos