“Olá Léa, estou enganado ou você morou na rua Cascata, na Tijuca, Rio de Janeiro ? Em caso afirmativo, dentre outras, fomos colegas de colégio. Sou Luiz Cezar, do Colégio Tijuca-Uruguay na rua Conde de Bonfim. “
Sou eu sim, respondi rapidamente à mensagem que chegou no facebook.
“Na época você tinha os cabelos compridos e era loura, muito bonita…”
Não era eu. Você está confundindo. Fui loura quando criança, depois alourei na maturidade com a ajuda de produtos químicos e confesso que não era um modelo de beleza para ser inesquecível….
Procuro o perfil de quem manda a mensagem e encontro um homem próximo aos 70 anos, cabelos grisalhos com uma criança ao lado. O neto, presumo eu. Bingo, ele confere. Uma série de nomes de ex-colegas ele traz à conversa. Lembro vagamente. Mas me recordo com todas as cores e formas da proprietária do colégio, Da. Carolina e sua irmã a ensandecida Da. Lola, loura platinada, que tirava o apito do bolso do avental para chamar os alunos. O colégio ficava em uma linda casa do tempo em que a Tijuca era um bairro elegante de classe média alta. Na parte superior era a residência da família, embaixo os empregados. A casa virou colégio na parte de serviço e as irmãs solteironas continuavam morando na parte alta. O quintal era grande, havia até uma quadra para esportes… Era um colégio pequeno, poucas turmas, na parte da manhã atendia ao ginásio e à tarde ao primário.
Cheguei lá por acaso. No dia 1 de janeiro de 1961 a minha família mudou de São Paulo para o Rio de Janeiro. Viemos em uma Kombi parando pela Dutra diante da ressaca do papai com tantas despedidas no réveillon. No volante papai, como copiloto mamãe, e distribuídos nos dois bancos cinco filhos legítimos, duas adotadas e um cachorro. Ainda tinham baldes, vassouras e panos para a primeira faxina na casa que papai havia alugado no bairro da Tijuca. Aos 12 anos tudo o que eu conhecia do bairro era a casa da Da. Marina, mãe da tia Lygia, comadre e amiga da mamãe, aonde fiquei algumas vezes quando criança esperando ser levada para a casa da madrinha em Laranjeiras ou da vovó em Niterói.
Chegamos com o dia escurecendo, não havia luz nem móveis, mas achei linda. Em poucos dias estávamos bem instalados naquela grande casa, na arborizada e bucólica rua da Cascata, uma ladeira aonde no final havia uma queda de água entre as pedras e ao lado uma longa escadaria com acesso ao Morro da Formiga. Uma rua residencial que tinha uma singela vila na entrada e apenas um pequeno edifício de três andares bem na metade. Gostei do novo ambiente, fiz algumas amizades e papai recomendou ao Victor, meu irmão quatro anos mais velho, que buscasse uma escola para nós dois. Depois de alguma pesquisa nas redondezas ele se encantou com a Tijuca-Uruguay, creio que muito mais pela arquitetura, as pitorescas dirigentes e o poético nome grafando Uruguay com ypsilon, do que por seu currículo escolar, tanto que lá só ficamos um ano. Talvez por isso a memória dos tantos amigos que Luiz Cezar desfiou em nossa conversa era frágil.
Mais do que o colégio, professores e amigos, este ano eu descobri o Rio de Janeiro. O ônibus lotação que ia até Copacabana, o bonde até a Praça XV e Praça Tiradentes quando ia às compras com a mamãe, e todos os cinemas que haviam na Praça Saens Peña – Olinda, Tijuca, Metro, Carioca e América – uma diversão aos domingo à tarde. Foi uma paixão pela cidade e seu povo que eu não entendia como em dias de chuva usavam casaco e calçavam sandálias, pois no inverno em São Paulo eu aprendera a usar meias e sapato fechado. Era divertido ver como as pessoas eram muito mais espontâneas, conversavam em qualquer fila e no bonde, contavam suas histórias, e depois iam embora sem mesmo saber se iriam se reencontrar. Aprendi a comprar leite e manteiga fresca na CCPL, havia a Casa do Sabão que vendia tamancos de madeira que eu nunca tinha visto. Este foi o ano em que comecei a me tornar mulher: menstruei e ganhei o primeiro sutiã. Foi o ano em que comecei a dançar nos bailinhos do Clube Montanha e a torcer por meu irmão como goleiro no time da rua Canapó vestindo uma camisa escrita Smith que se transformou em seu apelido…
Foi um ano que me marcou profundamente, quando eu assumi que queria ser carioca, falar arrastado, escrever poesias sem nexo e saber sambar. Sinto muito Luiz Cezar, mas com tantas novidades você há de convir que o colégio era mero detalhe. Um turbilhão de novas emoções e descobertas como sentir o vento fresco no rosto quando seguia a passeio de bonde para o Alto da Boa Vista, ou quando papai colocava todos os filhos na Kombi e levava para tomar banho nas águas revoltas da praia da Barra. Era mais areia do que mar. Na volta parávamos em uma barraquinha e nos deliciávamos comendo milho verde. Mas sou imensamente grata por você ter tocado nesta memória e transformado este meu fim de semana em maravilhosas recordações…
Adoro casos verdade.
Viajei no tempo em momentos que eu nem de longe vivi.
Mas me trouxe também saudosas lembranças pois me soa familiar.
Minha infância passei em dias maravilhosos na Tijuca,pois minha mãezinha trabalhava lá, numa rua que eu acho se chama Homem de Mello.
Depois eu formada fui ter meu primeiro emprego numa clínica chamada Climete do Dr.Paulo que fica ou ficava na Usina.
Depois no hospital Ordem Terceira e também na casa de saúde Sta Terezinha.
Sempre amei este bairro.
Ainda hoje estou sempre por lá no consultório do meu dentista.
Os shows no Tênis Club.
O Alzirão é espetacular.
Infelizmente o bairro não é mais como vc descreve.Uma pena!
Imagino que fosse muito mais agradável.
Linda esta crônica de suas lembranças bucólicas Léa.
Que viagem maravilhosa que o texto me proporcionou. Fui alfabetizado no Instituto de Educação e fiz o segundo ano primário no Tijuca-Uruguay. Lembro-me bem do quintal, onde havia um pé de Cajá-Manga, cujo cheiro guardo até hoje, mais de 60 anos passados. Eu morava ali perto, na D. Delfina. Muito obrigado, Léa!
Ah, sim: Minha passagem pelo Tijuca-Uruguay foi em 1961. Lembro-me bem que o sinal de fim da aula vinha de um despertador que ficava na janela de D. Lola.
Paulo, estudei lá também. Dona Lola ia com aquele apito buscar os alunos na padaria da esquina. Bons tempos. Se não me engano, sai de lá após ter feito o científico em 1961/1962.