Minha mãe nunca me falou sobre envelhecer. Creio que as mães não comentam com as filhas, pois preferem que, assim como elas acreditaram, continuem pensando que a juventude vai ser eterna. Quantas vezes sentei ao seu lado na sala de televisão e, enquanto agilmente ela fazia tricô, lembrávamos histórias divertidas da família, conversávamos sobre a vida dos outros, mas jamais falamos sobre aquele momento em que ela vivia, como se sentia com os cabelos além de brancos estarem mais ralos, a coluna arqueando o corpo, as veias marcando as mãos e se mostrando azuis nas pernas muito brancas.
Minha mãe nunca me falou sobre como viu seus bebês se tornarem adultos e um dia chegarem em casa trazendo seus próprios bebês formando uma família. O assunto sempre ficava na periferia do bom casamento e seriam felizes para sempre. Não soube o que pensava sobre o sentimento de mulher transformada em avó, nem ousei perguntar como se sentia quando percebi que não tinha mais opinião nos encontros aos domingos. Todos falavam, menos ela. Seu ponto de vista era importante apenas quando se tratava de receitas caseiras, uma referência sobre a árvore genealógica da família ou o melhor modelo/cor para um casaquinho de bebê. E mamãe sempre foi de opinião, mas o tempo foi deixando-a mais pensativa…
Minha mãe nunca me falou sobre como era ver seus pares partindo. A avó, os pais, os tios, primas, amigos, irmãos, alguém querido saindo de cena deixando o espetáculo mais pobre, os diálogos interrompidos, a risada murcha, o volume da trilha musical diminuindo. Chegavam outros personagens, mas já era outro espetáculo. Aqueles que a acompanharam por tanto tempo ia fechando a cortina, ficava faltando um pedaço, como se tirassem o corrimão na subida da escada, a calda de ameixa no manjar branco, a meia quente na noite fria. E agora, no meu contexto, fico refletindo sobre como conviver com esta mudança de encenação constante, com tantas perdas a cada semana…
Minha mãe nunca me falou sobre os calores no corpo que mesmo pós menopausa continuam a acontecer. Não comentou sobre desejos e prazeres, sobre abraços e afeto, nunca soube quanto carinho ainda havia entre ela e papai depois dos 80. Ela comentou depois da morte do papai que num período curto em que ele passou por um processo de demência senil e levantava-se de madrugada querendo ir trabalhar, ao dormir ela amarrava a ponta de uma fita no seu pulso e a outra no dela, assim estaria junto em qualquer circunstância. Não tenho em quem amarrar a fita, mas me encanta estes amores eternos… Choro com cenas de amor nas telas, com músicas apaixonadas
Minha mãe nunca me falou sobre como é sem graça viver sem mãe. Ela bem que podia ter contado pois teve esta experiência antes de mim. E quando entra o mês de maio e se aproxima o seu aniversário e dia das mães, lembro sobre o que me ensinou e também o que esqueci de perguntar. Agora não dá mais tempo para saber o que pensava sobre tanta coisa, mas jamais vou esquecer o que me ensinou, e uma das preciosidades foi como cuidar do acabamento no tricô, no bordado, no crochê, na costura…. Ela dizia para não deixar nós, linhas soltas, qualquer obra deve ser bonita do lado direito como no avesso, tanto na frente como atrás. E este acabamento na construção de uma obra tomei como rumo na vida. Serve para amizades, amores, trabalhos, textos, seja lá o que for. Tem que estar bem-acabado, bem-cuidado, bem-preservado, por dentro e por fora…. Obrigada Yayá… Nessa reflexão, vejo que tenho as respostas prás perguntas que formalmente nunca te fiz! Muito amor por você!
Eu tinha um carinho enorme por d.Yayá. Toda semana ela me telefonava para saber se eu estava bem. Se estivesse, recebia na hora um convite para os almoços deliciosos em seu apartamento da Tijuca. Quando rezo pelas minhas velhinhas que estão ” no céu” , ela vem na frente, puxando
” a turma “.