“Amanhã às 8 você faz a cirurgia… leva o cartão do SUS e o RG…”
“Estou trabalhando, não posso…”
“Oportunidade não se perde…”
Eram quase 5 da tarde quando aconteceu este diálogo. Saí atrás da Aninha, Secretária de Saúde, pedindo ajuda para saber como ter o cartão do SUS. Em poucos minutos estava em minhas mãos, é um procedimento muito fácil, me perguntei por que não fiz antes, pois mesmo com plano de saúde nunca se sabe o que a vida reserva na emergência. Segui com o cartão e sem a certeza de aceitar a proposta. Eu nada tinha pedido. Comentara sobre a necessidade de algum dia fazer esta cirurgia que não há como fugir, é questão de tempo, e assim do nada caiu a solução na minha mão. Era um prêmio que não sabia se devia receber. Continuei trabalhando até as 11 da noite, dividida entre meus pensamentos e a frase repetindo no ouvido “Oportunidade não se perde…” Lembrava do meu plano de saúde, mas também da dúvida em fazer uma cirurgia que é simples, mas tão delicada, com algum médico no sul da Bahia. E este grupo de cirurgiões oftalmologistas que acabara de chegar faz parte do melhor time de São Paulo.
Há três meses eu estava às voltas com o projeto Voluntários do Sertão que escolheu Santa Cruz Cabrália para, durante 5 dias, fazer uma enorme transformação na vida da população. Poderia ter sido qualquer outra cidade com menos de 30 mil habitantes no país, mas chegou aqui por vontade política do prefeito Jorge Pontes que saiu buscando em Brasília boas propostas para a saúde da comunidade. No Ministério da Saúde ele soube no Sesai – Serviço de Saúde Indígena – sobre Dorinho, um menino do sertão de Condeúba que se transformou em empresário bem-sucedido e uma vez por ano realiza um fantástico mutirão. A maior ação de saúde e cidadania gratuita do país. Na sua 16ª edição queria atender índios e foi assim que juntou a vontade política com a ação humanitária. Cabrália é uma cidade com uma das maiores comunidades indígenas em área urbana do Brasil e se adequava ao perfil. O Prefeito topou a parada de oferecer hospedagem, alimentação, transporte local e estrutura para fazer acontecer. Reformou o hospital, transformou escolas em centros de atendimentos, teve que pedir macas emprestadas nas cidades vizinhas, fez muitas reuniões com todos os secretários, vendeu o sonho até para quem não achava possível e a partir do dia 16 começaram a chegar 20 carretas, depois voos da FAB com 387 voluntários entre médicos, enfermeiros, técnicos e profissionais diversos. A tudo isso somou-se 700 voluntários da cidade, entre funcionários municipais e moradores, e o sonho virou realidade. Até acontecer era difícil explicar, mas como diria minha mãe, o que é bom a gente conhece logo….
Voltando ao meu drama. Depois de uma noite entre pesadelos com discussões íntimas e filosóficas, ecoando “Oportunidade não se perde…” às 8hs eu estava no local marcado e me deparei com o circo armado. Era apenas Oftalmologia. Quatro carretas enormes cercadas por tendas. Cadeiras dispostas em filas, separadas por grades, uma triagem perfeita. O cartão do SUS e o RG na mão, digitadores conferindo informações e a fila começa a andar. Chegam voluntários pingando colírio nos olhos dos pacientes. Já dilatei várias vezes a pupila, conheço o procedimento. Crianças, velhos, jovens, mulheres, rapazes, se assustam com a gotinha. E ia eu seguindo o povo, mudando de cadeira, pois esta é uma fila sentada. À minha frente uma índia idosa, ao lado uma garota com pouco mais de 12 anos, pessoas carregando travesseiros e edredons, dormiram aguardando atendimento. Meu sentimento de culpa explode. Quero sair correndo, mas encontro com uma das voluntárias com quem conversei muito sobre logística e como superar dificuldades no evento, pois nem tudo o que pediam a cidade podia oferecer. Ela é profissional destacada de uma multinacional e uma vez por ano é só voluntária. Quando me viu escancarou um sorriso e disse: “que bom você estar aqui… faz os dois olhos de uma só vez… manda um beijo para o Dr. Neto…” e foi embora atarefada no maior astral… Recebo o comentário e carinho como sinal para não desistir, esqueço a culpa. E vou passando de cadeira a cadeira, andando muito rápido e em uma hora já estou no consultório oftalmológico. Um espaço pequeno onde cabe perfeitamente o médico sentado em um banquinho com seu equipamento e uma secretária numa mesinha com computador fazendo anotações. Ele examina e confirma: catarata. “Quer fazer os dois olhos? ” Já não sou mais dona de mim e vou aceitando o que a vida me oferece.
Mais gotinhas nos olhos, número do SUS e RG para um outro digitador registrar, colam adesivos na minha blusa, alguém me acompanha ao centro cirúrgico e quando percebo já estão me preparando. Touca nos cabelos, me vestem um tipo de avental, capa cobrindo os sapatos. Sentado ao meu lado, esperando a porta da sala de cirurgia abrir, um senhor passando dos 70 desabafa: “se o médico disser que não pode mais operar, vou prá casa feliz. Eu não sabia que tinha catarata”…. Assim como ele, no dia anterior uma senhorinha chegou com 100% de catarata. Estava cega, saiu enxergando tudo… Centenas de histórias assim. A porta abre, me conduzem à uma cadeira azul tão inclinada que parece uma cama. Creio que deviam ter uma 8 iguais. Deito, alguém passa um líquido em volta do meu olho direito, cobre com uma venda, abre um buraco e coloca um aparelho para manter aberto. Incomoda um pouco. Chega outra pessoa que percebo ser o médico e pergunto quem é Neto. Era ele. Coincidência ter caído em suas mãos. Digo que Ana mandou um beijo. Ele diz que ela devia ter subido para vê-lo e avisa que vai mais uma gotinha e esta irá arder. Estou entregue às suas mãos. A partir daí fiquei com a impressão que havia uma música no ar, mas era o delicado barulho do laser. As luzes iam mudando de intensidade, parecia um caleidoscópio, até entrar um pequeno elemento verde esmeralda esplendoroso e a brincadeira acabou. Fecharam meu olho e começou tudo de novo do outro lado. Não havia passado 8 minutos quando levantei da cama. Eu enxergava tudo com muito mais luz. Saí tateando, me colocaram óculos escuros. E assim estou a menos de uma semana da cirurgia de cataratas nos dois olhos…. A minha vida tem outro brilho…. Quem passou por isso sabe o que estou falando, quem ainda não, vale saber que é o maior barato !! Nunca pensei que meus olhos estivessem tão embaçados… A gente vai se acostumando com o ruim, com poucos propósitos transformadores, nenhuma novidade e vai perdendo a beleza, o brilho e a cor… Nestes dias em que tenho que estar longe de multidão, sem óculos de grau nem olhos pintados, decidi que quero estar pronta a aceitar as ofertas de mudanças. Mesmo que tenha medo no princípio, discuta com meus botões, perca meu sono, tenho que lembrar sempre que “Oportunidade não se perde…”
EM TEMPO:
Os Voluntários do Sertão tinha estimativa de 30 mil atendimentos em cinco dias e chegou a 40.450.
Parabéns pela cirurgia. Parabéns a sua cidade ter sido agraciada com esse mutirão.
Oportunidade não se perde…
Abração minha amiga e q a vida continue lhe mostrando mais e mais oportunidades. Não perca nenhuma.
Décio
Pezada Lea.
Li o seu relato que é mais uma crônica sobre oportunidades da vida e gostaria de fazer uns pequenos reparos, sem desmerecer o valioso empenho e participação do prefeito Jorge e de toda a sua equipe de governo, que foram fantásticos durante todo o tempo necessário para que a ação acontecesse.
Na verdade, esse projeto nasceu na Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, que tem no seu quadro de pessoal um profissional (Edson Oliveira) que já havia participado de outras ações dos Voluntários do Sertão, o qual nos falou sobre os resultados alcançados e decidimos convidar o Dorinho e a Marta, coordenadores da OnG para uma conversa conosco em Brasília, quando então fizemos o convite para que a ação fosse estendida às comunidades indígenas. Como eles aceitaram o desafio, imediatamente, iniciamos os preparativos, após ter sido feita a escolha da cidade de Cabralia, sul da Bahia, por ser uma região onde vivem quade 40% da população indígena vinculada ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) e pela disposição do prefeito Jorge em colaborar ao máximo com a ação, o que de fato ocorreu.
Definidos o local e a data, iniciamos então os preparativos para a sua realização.
Embora o fato gerador da ação tenha sido os atendimentos de média complexidade para a saúde indígena devido às dificuldades que o DSEI Bahia enfrenta com relação à realização de exames complementares e atendimento especializado pois o atendimento básico é feito nas aldeias pelas equipes multidisciplinares.
Foi então negociado com o prefeito Jorge e os responassveis pela ong para que a ação fosse ampliada para atendimento também da população não indígena de Cabralia.
E foi assim que planejamos e executamos essa gloriosa ação dos Voluntários do Sertão, com parceria com o governo do estado, prefeitura de Cabrália, DSEI Bahia, SESAI Brasilia e Ministério da Defesa.
Há que se ressaltar que o apoio do prefeito Jorge e toda sua equipe de governo foram imprescindíveis para o sucesso a da ação, juntamente com os gestores e trabalhadores do Dsei Bahia.
Antonio Alves de Souza
Ex- Secretário Especial de Saúde Indígena do MS
PARABÉNS MINHA AMIGA…. COM SUA PERMISSÃO VOU ENVIAR PARA AMIGAS (OS)… SE TODOS SEGUISSEM ESSE EXEMPLO…. “DORINHO UM MENINO DO SERTÃO DE CONDEÚBA QUE SE TRANSFORMOU EM EMPRESÁRIO BEM SUCEDIDO E UMA VEZ POR ANO REALIZA UM FANTÁSTICO MUTIRÃO. A MAIOR AÇÃO DE SAÚDE E CIDADANIA GRATUITA DO PAÍS”. LEIAM…PASSEM À FRENTE. TAI UM BELO EXEMPLO PARA OS SENHORES EMPRESÁRIOS JÁ QUE SUAS EXCELÊNCIAS…..HUUUUUMMMMM…PRECISO CONTINUAR? BEIJÃO MOÇADA E FIQUEM COM DEUS.
TIÃO D’ÁVILLA
Que maravilha saber que o voluntariado faz parte da vida de outras pessoas que se dedicam a transformar outras vidas.
Bjos Léa