Apesar de ter uma réplica da Santa Ceia na sala de jantar, não posso afirmar que a minha casa fosse católica. Papai era espírita, assim como seus pais, mamãe nunca soube qual era a sua devoção. Não tenho lembrança de minha mãe rezando ou indo à missa. Ela frequentava a Igreja apenas nas festas da Escola Meninópolis dirigida por padres e onde era professora. Estudei em colégio de freiras, menos por princípio religioso e mais pelo fato de mamãe ter conseguido uma bolsa de estudos. Fui às aulas de catecismo e fiz a primeira comunhão. Saí vestida de anjo em muitas procissões, cantava todos os hinos e sabia rezar a Ave Maria e o Pai Nosso em francês e latim.
O tempo passou e junto com ele percorri outras igrejas, busquei a fé em terreiros, pais de santo, entrei nos estudos místicos, discuti a minha fé, esqueci do francês e do latim, vim morar num pequeno povoado. Pequeno e diferente de todos os outros que surgem em torno de uma praça com uma igreja. Ele surgiu à beira do rio e só teve a sua igreja católica há pouco mais de 8 anos. Por necessidade de entender o que havia me feito deixar grandes centros e optar por uma vida jamais planejada, além de meditar em casa ou na praia, passei a ir à missa aos domingos. Um jeito também de estar próxima da comunidade, de ouvir as leituras do evangelho, estar perto do Deus que creio ser um só … Nestes anos acompanhei o grande movimento dos fiéis, o abandono da Igreja com muitos domingos sem missa e a recuperação que vem sendo buscada nos últimos anos… Mas como diz a minha fiel escudeira que é evangélica “ninguém quer saber de Deus até a desgraça bater na porta…”
E como ontem era o dia do santo padroeiro da vila, saí de casa como em todos os outros anos para acompanhar a procissão… O andor estava pronto, um trabalho bonito da Gilma e da Yeda que cobriram com flores e filó, a imagem do santo presa no alto… Alguns fiéis se reuniam na porta de igreja e definiram o roteiro: entrar a primeira esquerda na rua do João Capador, passaríamos pelo campo de futebol, na esquina do Mercado Pombal viraríamos a direita, no ponto de açaí do Pinguim mais uma vez à direita, seguiríamos na rua principal, passando na frente do atelier do Betinho, do bar do acarajé, da mercearia do Maciel, seguindo até o cajueiro onde viraríamos à direita retornando à Igreja.
Tudo pronto e nada da procissão sair. O padre estava aflito. Em mais meia hora o dia já teria acabado e seria temerário andar nas ruas escuras com buracos e poças que restaram da chuva impiedosa durante a semana.
– E por que a procissão, não sai ? pergunto ao padre…
– Está faltando um homem para carregar o andor
– E só homem pode carregar o andor?
– Não Dona Léa, mas qualquer um que aguente…
Peguei o andor, o peso dava para segurar, e a procissão saiu…
Aê, Léa! Gostei de ver!
Que máximo! Acho que nunca ouvi falar em mulher carregando andor!
Bela atitude!