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Inesquecível

Foto @mauro.oferreira

Quando acabei de escrever sobre as 5 mulheres que partiram em junho, sem dar tempo de esfriar o teclado chegou a notícia de mais uma, esta conheci quando vim morar na Bahia há 18 anos. “Dona” Anna Mariani, assim conhecida em Vila de Santo André, mesmo que alguns a tenham visto raras vezes, interferiu discretamente e de forma determinante na vida da comunidade por quase duas décadas. Talvez muitos não soubessem que era conhecida nacional e internacionalmente pelas fotografias de fachadas e detalhes da arquitetura de habitações populares, que realizou desde 1976 em muitas expedições pelo Nordeste. Percorreu centenas de povoados para fazer milhares de imagens que tinham em comum: fachadas pintadas a cal pigmentada, rematadas em cima por platibanda (uma barra enfeitada, escondendo o telhado). Fotografou todas de forma idêntica, bem de frente, na mesma escala, sem destaques nem comentários, só local e data. Quando estava em meio a esse trabalho, teve um convite para expor na Bienal de São Paulo de 1987. Saiu de lá com propostas de exposição mundo afora, começando pelo Centro Pompidou, em Paris. Nesta época seu acervo já acumulava mais de 2 mil fotografias que foram publicadas em dois livros e desde o início deste ano fazem parte do Instituto Moreira Salles. 

Ela pode não ter fotografado fachadas de Santo André, mas deixou um registro ainda maior em centenas de crianças e adolescentes que passaram pelas instituições que apoiou de forma determinante. Desde a segunda parte dos anos 90, quando construiu uma casa à beira mar no então povoado de Santo André antes que o mesmo se tornasse um destino descolado de veraneio, olhou para a sua gente de forma especial. Em 2005 começou a colaborar com a Escolinha Maria Marta que existia desde quando aqui chegou. Primeiro financiou uma professora e, com o passar do tempo, se tornou a grande madrinha da Instituição que recebe em torno de 50 crianças entre 2 e 5 anos, do povoado e seus arredores. Nada mais delicioso do que ver as crianças chegando à escolinha que tem uma excelente base pedagógica e muito colaborou para a formação de uma geração. 

Como Conselheira e membro fundadora do Neojiba (Núcleo Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), em 2009 aproximou o IASA (Instituto Amigos de Santo André) que já oferecia educação musical à comunidade, para que se tornasse parceiro institucional desta escola que tem núcleos espalhados por toda a Bahia. O Neojibá, que tem como objetivo promover o desenvolvimento e a integração social prioritariamente de crianças, adolescentes e jovens em situações de vulnerabilidade por meio do ensino e da prática musical coletivos e de novas bases, deu ao IASA uma grande oportunidade. Quer recebendo “master classes” com músicos muitas vezes internacionais, quer permitindo aos seus alunos vivenciarem uma temporada de estudos em Salvador, ou trocando experiências com outras instituições na Bahia. Hoje, alguns alunos da bandinha do IASA se tornaram professores e monitores de música, passando o conhecimento para outras crianças e jovens da comunidade… Um ciclo feliz e renovável…

Tive oportunidade de conversar algumas vezes com Anna Mariani, tanto em encontros inesperados nas caminhadas na praia, como em sua casa… Eu já sabia um pouco sobre sua trajetória, mas em 2009 quando assisti ao show de Maria Bethânia “Amor, Festa, Devoção” e no segundo ato o cenário descia adornado com uma série de quadros com retratos de fachadas de casas, fiquei ainda mais impactada com a obra da “vizinha”.  Em 2012 assisti ao seu lado, num espaço aberto na vila, uma apresentação dos alunos no IASA cujo tema era o Nordeste. Cenários e palcos totalmente diferentes, mas aquela senhora sorridente de cabelos brancos admirava a apresentação das crianças vestidas de cangaceiros e índios de forma encantadora. Tudo muito singelo. Jamais esqueci o seu olhar embevecido como se estivesse assistindo a apresentação de uma sinfônica no mais renomado palco do mundo… Ela sabia o quanto a música e a educação transformava vidas e fez a sua parte em nossa comunidade… 

Anna Mariani faleceu de causas naturais na sua residência em São Paulo aos 87 anos no dia 22 de junho.  Meus sentimentos à família e gratidão por toda a amizade à nossa vila. Descanse em paz. 

Algumas fotos de Anna Mariani

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Voltei

marebaixa

Nos últimos anos tem sido assim: os meses de dezembro, janeiro e fevereiro correm mais do que as minhas pernas podem alcançar…. Hospedes chegam e partem, amigos visitam, passam para uma conversa, um almoço ali, um jantar acolá, uma tapioca no café da manhã, um prosecco na praia – todo mundo toma espumante! – , um vinho no fim da tarde, eles estão de férias e eu trabalhando, em casa e na prefeitura. O filho me conforta por 4 semanas, longas conversas, vida colocada em dia, presente e futuro. Acompanho a sua maturidade, orgulho do seu caminho bem construído.  Fico feliz com suas escolhas e a forma clara, lucida de olhar o mundo.  Recebo como presente uma foto nossa reproduzida em um bordado. Não pode ser mais delicado… Continuo costurando amizades e afetos, em forma de bonecas e colchas… Num êxtase de inventividade, uni retalhos com bordados e ficou surpreendente… Nenhuma modéstia, a esta altura da vida este sentimento deixou de habitar em mim.

O carnaval passou e pela primeira vez vi como é em Cabrália. Acontece uma semana antes do original, já é tradição. É a Bahia com todos os Bs As Hs  Is e As em caixa bem alta. Impossível conversar no volume do trio elétrico. Entrei em um para ver como é e babei com a super sofisticação da área interna. Suítes de luxo, palco de responsabilidade. Fico surda e tento entender as letras geralmente com duplo sentido na mistura de ritmos sertanejo, arroxa, pagode e o que mais vier. É assim por aqui. Tão perto e tão diferente do bloco de Santo André que sai no sábado de carnaval com sua charanga tocando “mamãe eu quero” e outras tantas marchinhas, levantando poeira pelas ruas, homens vestidos de mulher, crianças de borboleta, fantasias bizarras, poucas baianas…Tudo inesquecível…Uma exaustão, um prazer único, quem viveu pode contar.

Aproveitando a entressafra de dois dias com casa vazia, dei folga para a turma que pega pesado comigo, tempo para respirar, bateu um banzo. Saudades de escrever e dos irmãos. Tenho muitos amigos e pouca família. Não vejo há tempo os que me viram com catapora, com quem dividi a lata de leite condensado, disputei o ultimo bife do prato, dancei até cansar, pedi colo, dormi junto, compartilhei sonhos e mangas caídas do quintal. Em volta da mesa no almoço de domingo éramos um grupo forte, parecia que a cena jamais se apagaria. Caímos na vida, os esteios da casa partiram e temo em nosso reencontro sermos apenas velhinhos com pouca memória…

Nas memórias recentes encontro para jantar um amigo que hoje mora em BH e conheci quando cheguei na Bahia. Pensei um projeto, ele deu força, montamos juntos e assim nasceu a Caravana Veracel, uma ação de cidadania que só por ter visto acontecer justificaria a minha existência. Já disse isso também no projeto de voluntariado em Lisboa em 2004, no relato sobre Jerusalém em 2012, e sou feliz por ter sido parte de tantos sonhos, por onde deixei um pedaço de mim, vi se tornar realidade. Como é bom fechar ciclos, iniciar novos…. Estou neste tempo, enfim um novo ano… Sei que algumas vezes o barco emperra na areia, o motor não pega, dá preguiça e não há muito a fazer senão esperar a maré subir e ganhar novamente o mar. E chegou a hora. Estou soltando as amarras, 2016 aqui vou eu…

Insólito

IMG_4405 pqEle perdeu a cabeça. Não sei se foi por conta do grito da cigarra, ou o vento na madrugada que derrubou muitos galhos secos no quintal, ou até o insistente  latido dos cães atrás de algum animal. Mas a noite foi intensa e alguma coisa fez com que perdesse a cabeça. Talvez tenha visto um dia deslumbrante nascer com tantos tons vermelhos depois da chuva durante muitas semanas, ou se assustado com as luzes do jardim que se apagaram, cronometradamente, às 5horas depois da instalação de um pequeno timer para economizar energia… Ainda pode ser que se encantou com as rúculas que voltaram a crescer na horta, o tomateiro que floriu e o volume imenso de pés de salsa, hortelã e manjericão que proliferam no quintal. A verdade dos fatos é que aconteceu um movimento estranho, quem sabe o cheiro forte da maresia, o barulho das ondas batendo na praia, ou até um pesadelo em meio a bons sonhos, mas foi algo sério. Pois quando o dia nasceu e saí pelo jardim fazendo preces, agradecendo a vida, repetindo mantras, encontrei pousado na grama um Sanhaço azul sem cabeça…Não vou entrar em detalhes sobre a cena triste do pequeno corpo com as penas ainda brilhantes… Mas as formigas ao redor faziam a festa… Assim é a vida, nada se perde, tudo se transforma….

Casaco Marrom

giselle livro

De uma tacada só, hoje me dei de presente ler um livro… Acordei com “Non, je ne regrette rien” (Não, eu não lamento nada) na voz de Edith Piaf, saí de casa e fui ao correio ver o que me reservava na caixa postal. Lá estava o livro comprado através da Estante Virtual que comecei a ler ainda na balsa.

“Casaco Marrom – O amor nos tempos da guerrilha”, de Giselle Nogueira, foi lançado pela Record no selo Galera, voltado para jovens, mas é um livro para a minha geração. Quem passou pelos tempos de guerrilha, mesmo que não tivesse participado da luta armada, vai gostar do relato de Giselle, uma bela história…Tem um discurso tão bacana, que parece roteiro de cinema…

Como estou em tempos de rever a vida, este livro chegou à calhar. Há algumas semanas coloquei na parede da sala um quadro com uma colagem com fotos de muitos momentos divertidos. Amigos ali estão me sorrindo como há 20, 30 anos… Depois de enrolar por um ano a semana passada consegui colocar o ponto final em um livro com reflexões de um bom período profissional. E neste mexer de lembranças “Casaco Marrom”, assim como na música de Danilo Caymmi, Renato Correa e Gutemberg Guarabira, me fez “voltar aos velhos tempos de mim”.  Voltei à Ipanema do final dos anos 70, o AI 5, os anos de chumbo, o desaparecimento dos amigos, dores e alegrias… Verdades de um período que o Brasil não pode e nem deve esquecer… Está tudo ali em forma de leitura fácil no livro de Giselle, além de uma excelente pesquisa histórica que corre paralela a aventura … Vale olhar com atenção as prateleiras dos livros juvenis nas livrarias e encontrar “Casaco Marrom”, um belo registro.

Em tempo : Giselle é jornalista mineira, moradora de Vila de Santo André, escreve um blog para mulheres que viajam sozinhas e está fechando a mala para 15 dias na Sicília

Muito marketing, pouca fé

papaLeio hoje na Folha de São Paulo que a visita do Papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude custara até R$350 milhões e imediatamente me vem o pensamento de que a Igreja da vila onde eu vivo além de ter minguado o número de fiéis teve a luz cortada por falta de pagamento. Será que acreditam que a evangelização no país se faz com a vinda do Sumo Pontífice para um encontro de poucos dias ?

Estudei em colégio de freiras, ia à missa aos domingos e passei a infância com a presença da Igreja no bairro simples na Zona Sul de São Paulo. Além de darem aula nas escolas com um ensino de qualidade, os padres passavam filmes para as crianças nas tardes de domingo num barracão transformado em cinema e jogavam futebol com os meninos, as freiras visitavam doentes, distribuíam comida aos pobres, ensinavam as mães a fazer o enxoval para seus filhos. Padres e freiras eram amigos das famílias, iam às festas de aniversário, conheciam os problemas dos moradores do bairro.

Mas tem alguma coisa estranha na Igreja dos ultimos tempos, muito marketing para pouca fé. Tenho este sentimento por viver numa comunidade com menos de 800 habitantes onde a Igreja Católica não consegue agregar nem 5 fiéis nas missas dominicais. Os devotos da “palavra do Senhor” que seguiam a procissão na festa do padroeiro, cantavam no coro e faziam fila para a hóstia baldearam-se para as 2 igrejas evangélicas.  O “Senhor” também está nestes espaços e deve ter algo mais sedutor, talvez garanta um lugar melhor no céu.

Por isso neste domingo com a notícia do jornal fico pensando o que a Igreja pretende alcançar com tal investimento. É assim que se consegue mais fiéis por este país de meu Deus? Nesta reflexão acrescento também a notícia de um número absurdo de árvores cortadas no local onde haverá a grande missa, na possibilidade da retirada de coqueiros da praia de Copacabana e outras tantas propostas absurdas que estão sendo tomadas para este encontro. E pensar que o cara que trouxe a base para a criação desta Igreja era tão simples, com um pensamento claro e seus ensinamentos fáceis de serem seguidos… Mais de 2 mil anos depois ainda fala-se sobre ele e do jeito que seus seguidores estão se comportando não entenderam a sua mensagem.

Em tempo : nada contra o Papa Francisco, até acho bem simpático e com bom discurso…

No carnaval

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Ele estava num grande momento. Aos 50 e poucos anos fez um mega negócio, teve um alto lucro e resolveu viajar com a mulher no carnaval. Queria ir para Salvador, a mulher resistiu e pediu por um resort. Podia até ser na Bahia. Um amigo sugeriu um vilarejo próximo a Porto Seguro, onde tudo o que tem no carnaval é no domingo a alegria do bloco ”das periguetis”. Pedreiros, motoristas, garçons, serventes, estudante, caseiros, aposentados, turistas todos saem vestidos de mulher. Capricham na maquiagem e vão prá rua atrás de uma charanga que toca velhas marchinhas.

Voltou prá casa com os folders do maravilhoso resort e o pacote comprado na CVC para uma semana de férias. Estava eufórico com a viagem. No resort instalaram-se na área das suítes mais caras. Dinheiro não era problema. Ao desfazer a mala entregou um presente à mulher: um vestido de oncinha. Ela achou estranho o gosto do marido, mas como era carnaval não discutiu… Ele ficou só na  piscina. Não quis nem olhar a praia, tinha muita areia e ondas no mar. Ela fez amigos, ia à sauna, à massagem, à meditação e tudo mais que fosse oferecido enquanto ele bebia toda a champagne do hotel.

No domingo de carnaval continuou na champagnota olhando com pouco caso para a mulher que, com tantos outros hóspedes, fazia um carnaval animado na piscina. Pediu o almoço onde estava, não se moveu da espreguiçadeira até às 4 da tarde quando chamou a mulher para ir ao quarto. Ela não entendeu. Ele entrou direto para o banheiro e saiu de barba feita,  perfumado, usando o vestido de oncinha. Ela teve um chilique. O vestido novo, nem pensar. Ele já tinha tomado todas e deu um chega prá lá. Ela começou a gritar e ele a espancar. O barulho foi tanto que os seguranças entraram no quarto, mas o homem de oncinha tinha a força de um touro.

Chamaram a policia que encontrou uma cena patética: a mulher em pânico, acuada num canto, rosto coberto de sangue e lágrimas. O marido em cima do salto dourado, em frente ao espelho desenhava os lábios com um batom vermelho e na sequencia ajeitava os seios de silicone. A suíte toda quebrada. Os policiais deram ordem de prisão e ele desafiou. Fez-se de sedutor, chamou o escurinho de negão e convidou para um trelêlê… Os policiais se ofenderam e usando a força algemaram e levaram para a delegacia.

Horas depois de ter suado toda a champagne e pagar a fiança, foi solto. Ninguém esperando por ele na porta de delegacia. Perdeu o caminho do resort. Foi parar num bairro distante onde saiu atrás de um bloco. “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que é…” e lá ia ele carregando os sapatos de salto na mão e rebolando. Bebeu, fumou e cheirou o que ofereceram. Quando o dia amanheceu foi encontrado num beco, morto com dois tiros, vestindo apenas uma sunga de oncinha.

A aula de francês

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Eu tinha 12 anos quanto tive a primeira aula de francês. Ate hoje lembro da textura, do  formato, do volume e do vermelho da capa do livro. O professor chamava-se Monsieur Fidelis. Era alto, magro, uns 40 anos, usava calças largas, paletó xadrez com um lenço de seda no bolso e nem sempre combinava com a gravata. Alguma coisa nele hoje me faz lembrar o personagem Zé Bonitinho que imortalizou o seu criador Jorge Lorêdo. Nunca soube se Monsieur Fidelis era francês, mas agia como fosse. Tinha um enorme prazer em ensinar àquela turma de 40 adolescentes a pronuncia correta das palavras, a conjugação dos verbos e ainda lembro-me de suas aulas. Tive outros professores, mas nenhum tão marcante. Depois veio o tempo de “ter que” falar inglês e o francês ficou nas vozes de Piaf, Aznavour, Ténant, Mathieu, Becaud …

Este verão Roseline, francesa, casada com Joshua, filho da Mikie (Pousada Corsário e La Floridita), que mora na França onde é professora de francês para estrangeiros e de português para franceses, concordou em dar aulas para um grupo pequeno. Roseline tem uma didática incrível e também a chave da minha memória, pois na primeira aula diversas palavrinhas vieram à tona. Algumas até com pronuncia!  Estou feliz com esta redescoberta, pareço adolescente. Mamãe tinha orgulho em contar que sua avó era francesa. “Pariesiense” exclamava – e se a genética ajudar ainda terei tempo para aprender a falar razoavelmente a língua de Victor Hugo… Já soube de um curso ótimo pela internet, pois Aliança Francesa nem sombra neste sul da Bahia. Um prazer prá mim, uma homenagem ao meu irmão Victor que adorava falar francês e declamar a fábula da cigarra e da formiga no original Quem sabe eu chego lá, o texto já consegui.

La cigale et la fourmi, la Fontaine

La Cigale, ayant chanté
Tout l’été,
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue :
Pas un seul petit morceau
De mouche ou de vermisseau.
Elle alla crier famine
Chez la Fourmi sa voisine,
La priant de lui prêter
Quelque grain pour subsister
Jusqu’à la saison nouvelle.
“Je vous paierai, lui dit-elle,
Avant l’oût, foi d’animal,
Intérêt et principal. ”
La Fourmi n’est pas prêteuse :
C’est là son moindre défaut.
Que faisiez-vous au temps chaud ?
Dit-elle à cette emprunteuse.
– Nuit et jour à tout venant
Je chantais, ne vous déplaise.
– Vous chantiez ? j’en suis fort aise.
Eh bien! dansez maintenant.

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Na foto do topo, eu em Toulouse, cidade onde mora a professora, na foto acima Joshua, Roseline e o pequeno Rafael em janeiro 2012.

Confissões inesperadas

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Na noite estrelada a beira do rio, sentada com amigas num restaurante falávamos de amores encantados. A lua crescente abriu os corações e segredos passaram a ser revelados. Uma das amigas contou sobre uma relação mágica, um amor enorme, repleto de impossibilidades. Quando ele morreu, durante algumas semanas ela rezou por sua alma, até o dia em que ele deu sinais além da existência e ela concluiu que era tempo de deixar na paz.  Voltei prá casa com a história na cabeça, amores proibidos são inesquecíveis e quando sobrevivem além da morte são mais tocantes.

Algumas semanas depois, na mesma mesa, com outro grupo de amigas falávamos sobre a atração que alguns lugares exercem sobre nós. Por mais que tentemos ir embora é como se nossos pés criassem raízes e fosse uma tarefa inútil tentar move-los. Vai-se e volta-se à mesma base.  E como em todas as conversas que envolvem mulheres tem um caso de amor, uma contou seu relato de um amor também encantado que a mantinha presa a um local e que agora tentava se libertar indo para bem longe. Outro amor surgiu e estava num ritmo de descobertas. Entretanto o amor antigo se fazia presente e no desenrolar da historia percebi que o homem em questão era o mesmo da historia que ouvi dias atrás na confissão da outra amiga.

Não falei sobre a coincidência. Pedi mais um copo de vinho e entendi aquela mesa como um confessionário, depositório de declarações de afeto sobre a mesma pessoa, mas com pontos de vista diferentes. Em cada historia o sentimento de um amor único, só seu. Voltei prá casa pensando como o amor se torna especial para quem vive. É exclusivo, feito sob medida para o seu coração. Não importa do lado que esteja, o amor chacoalha, mexe, eleva, enleva, sangra e faz explodir. Ora em ódio, ora se multiplica em mais amor. E seguiram as duas neste verão com suas memórias, sem se cruzar nem na calçada do mesmo restaurante, enquanto ele descansa em paz.

Foto : Cláudia Schembri

Bed & Breakfast

 

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 Gosto das manhãs de verão quando preparo em silêncio o café para os meus amigos. Levo os cachorros para a casinha, coloco a água para ferver e com capricho vou arrumando a mesa na varanda. Estes dias somos em 9. Lotação esgotada !  Enquanto separo as frutas e cozinho a banana da terra, penso no prazer da casa cheia que só acontece no verão. Bem que podia ser ao longo do ano. Afinal Vila de Santo André é tão linda !

Nada em minha vida foi planejado. Aos 20 anos nem o sonho mais louco chegou próximo do cenário em que me encontro. Um dia de cada vez, a vida se apresenta e surpreende. Tudo começou na partilha da pousada. Mamãe ficou com a casa do Victor e dois chalés num terreno com muitas árvores no meio de um areal em um vilarejo no sul da Bahia, distante mais de 1000 kms do Rio de Janeiro. Quase três anos depois, com o patrimônio abandonado, vim para um semestre sabático e a missão de vender a propriedade. Comprei a casa e aqui estou há mais de 8 anos. O areal virou gramado. Plantei mais árvore, fiz um belo jardim e com a procura no verão comecei a alugar os chalés para amigos. Alguns anos depois construí mais um chalé para o meu filho e fui aprimorando o prazer de receber no mais autêntico estilo bed & breakfast. Ofereço o que sei e posso fazer mesmo sem ter auxiliar: um belo café da manhã e arrumar quartos. Mas com o jeitinho baiano da Helenita e da Geisa eu nem preciso estar em casa. Elas deram autenticidade ao breakfast com a tapioca, o bolo de fubá, sucos de graviola, cupuaçu e cajá, e recebem com a simpatia da Bahia.   

As conversas no café da manhã são deliciosas, tenho o privilégio de só receber pessoas interessantes com boas historias prá contar. Sempre aprendo e ensino alguma coisa. Ontem fizemos cinema no jardim. Esticamos uma lona branca e um lençol num varal, colocamos projetor, notebook e caixa de som na mesinha, cadeiras e espreguiçadeiras e os olhos grudados na tela grande. O perfume da noite, o pio da coruja, os cachorros dormindo no gramado e a emoção que só um bom filme provoca.  Esta é a outra vida, muito divertida e um prato cheio para uma jornalista. (Fotos : Cláudia Schembri)

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