
Quando começaram a dizer que eu deveria ficar em quarentena, respondi que assim já estou desde que escolhi morar longe dos grandes centros. Pouco mudou a rotina. Ida ao centro de Cabrália ou Porto Seguro para supermercados, banco, comércio, correio, há algum tempo restringi para uma vez por semana. Muitas vezes chego a ficar 15 dias, resolvo na vizinhança sem atravessar a balsa… Diante do Covid-19 criamos um grupo entre amigas para compras solidárias e buscar correspondência no correio. Só vai à cidade quem realmente tem necessidade, e assim vamos nos “quarentenando”.
Solidão não me assusta pois entre as constatações destes últimos anos com uma vida mais quieta, mas não reclusa, estão a de que sempre soube brincar sozinha. Devido a diferença de idade entre os meus irmãos – o mais próximo 4 anos, o mais novo quase 9 – bonecas, panelinhas, costurinhas, revistinhas, fizeram parte de um mundo particular. Na infância eu vivia escondida embaixo da escada. Morávamos num sobrado no Brooklin (São Paulo) e junto da escada havia uma saleta onde ficava o telefone e um pequeno sofá. O meu paraíso ficava exatamente ali, embaixo dos degraus, um lugar só meu. Era um espaço reduzido onde eu cabia direitinho com brinquedos, pensamentos, viagens e sonhos. Uma vez por semana a Rosalina vinha com a vassoura e, apesar dos meus protestos, desmontava o reino geralmente no horário em que eu estava na escola. Quantas vezes esqueceram de mim ali quieta, brincando com as bonecas de papelão ou fazendo roupa para as bonecas de louça, montando casinhas com blocos de madeira, jogando cinco marias com saquinhos de arroz ou apenas olhando para o teto e contando os degraus. Não me lembro mais quantos eram, mas contava debaixo prá cima, de cima prá baixo, quase que num transe hipnótico até dormir… Acordava com o telefone tocando ou minha mãe chamando para tomar banho e jantar…
Hoje o meu “reino” é um pouco maior. Tem uma área de 2.130m2, me sinto acolhida como no tempo em que ficava embaixo da escada e tenho muito com o que brincar. Uma querida amiga passou uma semana comigo e atacou de “me ajuda decora” dando um up nos chalés. Trocamos luminárias, interruptores, até uma parede foi pintada…Também aproveitei a chuva e replantei a horta. Beterraba, cenoura, salsa, cebolinha, alface e rúcula estão por vir. Há algumas semanas plantei em um grande vaso uma muda de pequenas rosas e qual não foi a surpresa ao ver um mato surgir no entorno. Com o cheiro que vinha quando molhava descobri que cresciam tomateiros. A terra é produzida no quintal através de compostagem e às vezes acontece…. Com isso, estou acompanhando um tomateiro em flor com uma rosa envergonhada embaixo dos longos galhos.
Cancelei o agendamento na Policia Federal para um novo passaporte, assim como o projeto de ir à Andorra visitar as amigas Nenô e Denise. Seguindo a sugestão de uma amiga médica vou suspender o Pilates até o final do mês. Alongamentos em casa na medida do possível, caminhar na praia e na rua que, dependendo do horário, não encontrarei uma viva alma. Aproveitei e desmontei a lavandeira provocando um desapego nas roupas de cama e banho que estavam mais usadas. Também doei as primeiras colchas de retalho, estavam um pouco desbotadas, mas um amigo gostou tanto que levou uma. É sempre assim, o que não serve para um é ótimo para outros. Muitos tecidos me esperam para serem cortados e surgirão novas colchas para enfeitar os chalés redecorados. Mas antes tenho a encomenda de duas bonecas de pano, pedido de uma amiga que disse ter sonhado com elas… E tantos anos se passaram e continuo brincando de bonecas.