Arquivo da categoria: Jornalismo

Eu, a mídia e a lagosta…

Em 1985, deixei a redação do jornal O Globo. Montei um pequeno escritório na área de serviço de casa e comecei uma nova fase: fui ser assessora de imprensa. Naquela época, os profissionais que promoviam artistas e eventos na mídia ainda eram chamados de divulgadores.
Comecei com dois grandes nomes: Renata Sorrah, que estreava como produtora e atriz na peça Grande e Pequeno, e Ivan Lins, em temporada no Canecão.
Eu conhecia bem os críticos de teatro e música do Rio de Janeiro. Mas queria ir além, ampliar a visibilidade dos meus clientes. Fui a uma banca de jornais na Av. Rio Branco, daquelas bem sortidas, e comprei um exemplar de cada jornal e revista. Liguei para todos os veículos, anotei nomes e endereços dos profissionais que atuavam nas editorias de variedades, turismo, negócios, música e teatro — e assim nasceu meu primeiro mailing.
Ele foi datilografado, encadernado e, anos depois, virou um programa no meu primeiro computador. Bastava digitar o segmento e a cidade, e surgia uma lista completa, pronta para imprimir etiquetas. Era tão inovador que virou matéria na recém-lançada página de informática do jornal O Globo.
De lá pra cá, muita coisa mudou. Segui na comunicação estratégica, gestão de crise, criação de projetos e, pontualmente, mantendo contato com colegas da imprensa. Mas este ano resolvi, mais uma vez, colocar a mão na massa.
Buscando me atualizar, testei plataformas que oferecem mailings segmentados. A tecnologia é ótima, mas o resultado foi pífio. Não me interessa disparar e-mails genéricos rumo à caixa de spam. Quero falar com quem realmente se interessa pelo conteúdo.
Desta vez, promovo um evento que criei e muito me inspira: o Festival da Lagosta da Costa do Descobrimento, em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, que chega à sua 8ª edição. Vamos trabalhar fortemente as redes sociais e investir num marketing criativo e eficiente. Mas… ainda sinto falta de um bom mailing nacional.
Como já não temos mais bancas repletas de jornais e revistas, compartilho essa história pois quem sabe você conhece veículos ou profissionais que tenham interesse em receber pautas incríveis — e com gosto de lagosta fresca — sobre um festival que acontece de 10 a 19 de outubro, entre em contato comigo.
Vai ser um prazer reconectar!

O Globo e eu

Na edição de hoje memórias dos que por lá passaram

Assistindo à série 100 Anos do Jornal O Globo, entendi por que fui contratada como repórter do Segundo Caderno em novembro de 1976. Evandro Carlos de Andrade havia assumido, cinco anos antes, o cargo de diretor de Redação com o objetivo de reformular o jornal, tanto graficamente quanto editorialmente. As mudanças incluíram a criação da edição de domingo, o uso de cores, novos suplementos e a conquista de leitores e anunciantes nos subúrbios. E por indicação do Edgard Catoira, meu editor na revista TV Guia da Editora Abril, que lá cheguei.

Meu primeiro dia na redação foi inesquecível. O espaço era enorme, sem ar-condicionado, com móveis antigos. A equipe era formada por intelectuais de diversas áreas da cultura. Exceto Joana Angélica Gusmão, que eu já conhecia da época da Bloch Editores, não conseguia imaginar nenhum dos meus novos colegas fazendo entrevistas cotidianas com artistas da televisão. Essa era a minha especialidade.

Em oito anos de jornalismo, eu havia construído ótimas relações com atores, cantores, gravadoras e radialistas — do popular ao erudito —, embora ainda houvesse quem visse esse universo como um subproduto cultural. A TV Globo completava 10 anos, consolidava uma programação de alto nível e esperava que o jornal do mesmo grupo refletisse esse prestígio editorial.

Minha estreia foi com uma matéria sobre comportamento, mostrando que havia muitas formas de abordar a televisão. O programa Planeta dos Homens, exibido às segundas-feiras, trazia um quadro em que Taborda (Jô Soares) perguntava ao Fonseca (Paulo Silvino): “Será que aguenta?”, ao que ele respondia com um sonoro “Guenta!”. O bordão foi adotado por milhões de brasileiros — a população do país na época era de cerca de 42 milhões — e passou a ser repetido em todas as situações. A matéria abordava o nascimento dos bordões, a trajetória do comediante e o sucesso do programa.

A segunda matéria, com o título Os fãs escrevem a seus ídolos (e falam de seu amor, de sua paixão, de seu desejo etc. etc.), era aparentemente óbvia. Afinal, com o sucesso das novelas, esperava-se que os artistas recebessem muitas cartas — mas ninguém havia feito uma reportagem sobre isso. Pedi autorização à diretora de elenco Maria Augusta Mattos, a Guta, e também a alguns artistas, para analisar o conteúdo de centenas de cartas que chegavam diariamente à emissora, entregues em grandes sacolas de lona pelos Correios. Os destinatários mudavam de acordo com o sucesso do personagem na novela. Havia declarações de amor eterno, promessas de TVs, casas, viagens… De todo o elenco, a única que mantinha um volume constante de correspondência, estivesse ou não no ar, era Regina Duarte.

Em menos de seis meses, tive a honra de cobrir as férias do colunista Artur da Távola. Para quem não conheceu, Artur da Távola era o pseudônimo de Paulo Alberto Monteiro de Barros, advogado, senador cassado durante o regime militar, exilado na Bolívia e no Chile, e crítico de televisão. Seu texto era profundo, poético, doce e encantador. Conquistou milhares de fãs. No lançamento de seu primeiro livro, Mevitevendo, em 1977, encontrei  a maior reunião de artistas fora da tradicional gravação de fim de ano da emissora. O convite para substituí-lo foi um enorme prestígio — ainda mais por ter sido uma escolha dele próprio. Um verdadeiro aval ao meu trabalho perante uma redação repleta de notáveis.

Mostrando o outro lado da telinha — e também cobrindo estreias e temas de interesse da empresa —, meu texto começou a ganhar espaço. Passei a ser chamada por outras editorias para cobrir matérias como o réveillon em Copacabana e a premiação Operário Padrão, eventos organizados pelo Departamento de Promoções, onde conheci a querida Sheila Roza.

Em 1980, na onda dos novos suplementos, surgiu o Caderno de TV, uma revista que circulava aos domingos totalmente dedicada ao tema. Moyses Fuks, que me levara ao jornalismo na Bloch Editores e profundo conhecedor de televisão, foi convidado para dirigir. Fechou o contrato, mas não pôde assumir no lançamento. Assim, produzi as duas primeiras edições junto com Flávia Villa-Boas, então editora de moda e comportamento.

Eu já intercalava reportagens de TV com shows e discos, e fui, aos poucos, mudando o foco. Popularizei o caderno com matérias deliciosas, como Sidney Magal em um clube do subúrbio, em meio ao delírio das fãs; ou Gretchen, que fazia três shows por noite, trocando de roupa no carro e cantando em um palco improvisado com quatro mesas, Wando recebendo uma “chuva” de calcinhas em pleno show… Ao mesmo tempo, entrevistava nomes como Elis Regina, Maria Bethânia, Milton Nascimento… e por aí vai.

Minha história com O Globo daria um livro. Foram cinco anos iniciais, depois de quase três anos fora, morando nos Estados Unidos, ao retornar foram mais dois anos incríveis, iniciando minha relação com o Rock in Rio, em 1985. Até que virei a chave: deixei de ser pedra e virei vidraça. Fui ser assessora de imprensa.

Mas isso… já é outra história.

Continuar lendo

TV Globo 60 anos

Em 1984, voltei ao Rio depois de três anos morando em Nova York.
Trazia três malas, alguns dólares e um certo desconforto no peito. Eu tinha visto de trabalho e caminhava para um green card, mas o Brasil que me recebia estava mergulhado na campanha das Diretas Já. Que país eu iria encontrar ?

Henfil, no dia em que nos reencontramos, resumiu com sabedoria:
“Você precisa mergulhar nas águas do Rio São Francisco para voltar ao Brasil.”

De certa forma, eu era quase uma americana: calçava sandálias com meias, sonhava em inglês e usava cinto de segurança para dirigir.

Foi então que os amigos se aproximaram, trazendo propostas de trabalho que ajudaram a me reconectar com o meu país. Primeiro, Cidinha Campos me convidou para integrar a equipe do programa “Cidinha Livre”, na Rádio Tupi, como redatora ao lado de Heloneida Studart. Conviver com duas mulheres tão brilhantes e engajadas nas mudanças do país foi um privilégio — e o primeiro banho no Rio São Francisco.

Quase ao mesmo tempo, Régis Cardoso, ex-marido e amigo, me chamou para ser pesquisadora de arte no programa “Caso Verdade”, na TV Globo.
Recebiam dezenas de cartas reais e era preciso sensibilidade para descobrir boas histórias. Fui fundo nas leituras…

Em pouco tempo, Régis seguiu para outro projeto e “Caso Verdade” ficou sob a direção de Reynaldo Boury, um mestre da narrativa sensível. Em uma conversa sobre novas pautas, comentei com Boury que a atriz Darlene Glória, Melhor Atriz no Festival de Berlim por Toda nudez será castigada, havia se tornado pastora e estava pregando num teatro em Copacabana.
Ele pediu que eu investigasse. Voltei com uma história tão forte que tive a oportunidade de estrear como autora em “Todo Pecado Será Perdoado”, ao lado de Ivan Yazbeck.

Outros “Casos Verdade” vieram, até que precisei fazer uma escolha.
Eu já estava dividida em três frentes: TV Globo, Rádio Tupi e o convite para voltar ao jornal O Globo. Na sequência já aparecia o Rock in Rio, o Canecão e a assessoria de imprensa com tantos movimentos culturais inesquecíveis.

Não foi fácil decidir. Naquele momento, a TV Globo começava também a formar oficinas para jovens autores, e fui convidada.
Mas sou muito feliz pelo caminho que escolhi — e imensamente grata à TV Globo, que me ensinou tanto, me enraizou de volta no Brasil e me abriu as portas para ouvir, sentir e contar histórias.

Porque mergulhar de volta ao Brasil é, também, reaprender a viver com o coração.

40 ANOS DE AXÉ

Da esquerda para a direita Diana Aragão (O Globo), eu, Christine Ajuz (O Dia), Angela Tostes (assessoria de imprensa) e, segurando minhas mãos, Luiz Caldas.

Este texto faz parte do livro “A VERDADE É A MELHOR NOTICIA” que lancei em 2015 contendo “cases” de assessoria de imprensa…. O Axé e Luiz Caldas fazem parte, e compartilho uma das sementes que plantou o movimento levando a musica baiana ao seu maior patamar…

“A Polygram era uma das 5 maiores gravadoras do país e tinha em seu elenco artistas do prestígio de Maria Bethânia e Caetano Veloso. Eu tinha uma relação amigável com seus diretores, alguns conhecia há muito tempo, como era o caso de Armando Pittigliani, que um dia em 1986 me telefonou convidando para um café na gravadora na Barra da Tijuca. Estava de olho em um grande lançamento. A novidade era um rapaz da Bahia que estava fazendo o maior sucesso com um ritmo novo e uma música chamada “Fricote”, estourada nas rádios de Salvador e no interior do estado. A gravadora planejava fazer um show fechado do cantor no Canecão, apenas para convidados, reunindo o melhor da mídia nacional, trazendo jornalistas e radialistas de diversos estados, apostando todas as fichas neste movimento musical que vinha com uma dança contagiante. Armando apertou o botão do gravador e o espaço se encheu com o som de uma música original, um ritmo diferente, bem mexido, cuja letra, nos dias de hoje seria considerada politicamente incorreta pois dizia:

Nega do cabelo duro / Que não gosta de pentear / Quando passa na baixa do tubo / O negão começa a gritar / Pega ela aí, pega ela aí / Pra que ? / Pra passar batom / De que cor? / De violeta / Na boca e na bochecha / Pega ela aí, pega ela aí / Pra que ? / Pra passar batom / De que cor? / De cor azul / Na boca e na porta do céu /

A letra fácil ficou cantando na cabeça. Para quem tem faro fino na descoberta de valores musicais, a gravadora estava no caminho certo. Pittigliani falou maravilhas do rapaz no trio elétrico, a multidão que o seguia no carnaval, uma verdadeira coqueluche. E ainda mostrou umas fotos do cantor bem magro, um cabelo longo no estilo de Michael Jackson no videoclipe “Thriller”, pés descalços e uma roupa largada. Ainda se falava que tinha uma dança acompanhando a música que era chamada de “deboche”. 

Com este volume de informação carregado de cheiro e frescor da Bahia, eu não conseguia ver o cantor no palco do Canecão. Se tinha mesmo este sucesso todo por que não levar os convidados para um show em Salvador? Iam sentir na pele a energia e estariam compactuando com a chegada de um novo artista. É o que nos dias atuais chamam em marketing de “brand experience”. Lembrei que quando morei em Nova York trabalhei em uma agencia de viagens e uma das agentes tinha na sua carteira de clientes uma pequena gravadora que quando queria apresentar algum artista novo no mercado convidava os radialistas para um fim de semana em uma das 3000 ilhas das Bahamas. Na piscina, aproveitando o sol, os radialistas viviam imersão sobre os novos artistas e jantavam assistindo os pocket shows. Ali mesmo a gravadora sabia se o produto iria para frente ou não, se mereceria um investimento maior.

A gravadora contestou minha sugestão preocupados com o orçamento, mas eu só pensava no impacto que faria o artista em sua própria cidade, com uma plateia já conhecendo a sua música e isto seria um ponto muito forte neste lançamento. Voltei para o escritório, fiz o levantamento do custo de 50 passagens saindo do Rio e de São Paulo para levar alguns jornalistas, radialista e produtores de TV, e dias depois voltei a me reunir na gravadora mostrando que não seria tão mais caro e poderiam aproveitar estes dias para reforçar a relação com os jornalistas.  Os 50 convidados se transformaram em quase 100. Vieram diretores da matriz na Holanda e o então Hotel Mediterranée em Salvador viveu dias de festa.

Num palco montado na Praça Castro Alves, com mais de 100 mil pessoas na plateia em total delírio, Luiz Caldas foi apresentado com todo seu tempero para a mídia nacional. Uma noite que ficou na história do rapaz e dos jornalistas, radialistas e produtores de TV que viram ali nascer o que veio depois ser o movimento do axé. Em poucas semanas o “Fricote” era sucesso absoluto e o cantor com seu jeito diferenciado de se apresentar descalço virou figurinha fácil em todos os programas de TV, páginas de revistas e jornais. No ano seguinte, aos 24 anos, ele se tornou rei absoluto do mais esfuziante carnaval de rua do país, Salvador bombava com o seu som do “deboche”. A música que trazia o batuque do negro da Bahia, o ritmo balançado da salsa e do merengue mais outras influências do caribé e as guitarras do rock, ele era a estrela máxima. Em 04 de março 1987 Luiz Caldas com seu melhor sorriso ganhou as bancas de revista de todo o país como capa da revista Veja. A gravadora teve um retorno financeiro e promocional muito maior do que o esperado com o lançamento no Canecão, impulsionando uma nova vertente musical.”

Parabéns @luizcaldas … este é um pedaço da sua historia…

Casa da Léa

Quando tudo começou eram os chalés que a jornalista Léa Penteado tinha em sua casa no vilarejo de Santo André, Santa Cruz Cabra, Bahia, aonde recebia informalmente amigos e amigos dos amigos. Depois que o Ricardo Freire e o Nick Santiago ficaram hospedados trazidos pela querida Cacaia, seguindo a sugestão de quem entende de turismo nasceu a “Pousada Banana da Terra”. Mas os que chegavam diziam: “é a casa da Léa”.

Este verão, quase que numa crise de identidade, conversando com a Aline e a Esther, amigas profissionais de marketing e comunicação, surgiu a ideia de fazer um “rebranding” da Banana da Terra, um processo usual para ajustar a maneira como marcas se colocam perante ao público e o mercado. Concluímos facilmente que o certo era dar o nome da própria essência: CASA DA LÉA.

A bem da verdade, “Banana da Terra” sempre foi CASA DA LÉA. Até o localizador do Google sabe disso, era só criar uma nova identidade visual. Todos que por aqui passam conhecem o atendimento sob medida, das boas conversas no café da manhã, das colchas e os cabides que faço para os chalés, dos livros para empréstimo, das dicas de passeios e, como Freire escreveu no @viajenaviagem ,“é como se hospedar na casa de uma amiga que você fez no Facebook (não por acaso, as reservas são realizadas por lá).” E agora também as reservas são por aqui, ou no www.acasadalea.com site criado pela @krissubtil ou no www.santoandre-bahia.com

Parece que nada mudou, mas para mim tem sabor de começar de novo.

Chico 80 anos

Lendo nos jornais as homenagens aos 80 anos do Chico Buarque na próxima 4ª feira, lembrei de um encontro que tive com ele que, se não tivesse testemunhas, ficaria calada. Em 1967 eu fazia o curso pré-vestibular na rua México, centro do Rio de Janeiro, e entre os colegas havia o tímido Léo. O cursinho preparava para diversas áreas, eu fazia para psicologia, mas haviam aulas compartilhadas com alunos de economia e administração, a turma do Léo. Eu morava na Tijuca, assim como Ângela, a minha melhor amiga, com quem diariamente ia de ônibus para as aulas. Certo dia Léo convidou 10 amigos para seu jantar de aniversário e lá fui com Ângela para o endereço que era a Galeria Menescal em Copacabana. O apartamento ocupava toda a extensão da cobertura, da N.Sa. de Copacabana à Barata Ribeiro. Eu já tinha ido a casas elegantes, mas nada se comparava àquela. Sofisticada e conservadora, havia obras de artes em todas as paredes que eu reconhecia pela assinatura dos artistas que tinha lido em livros ou visto em museus.

Foi só então que soubemos da família do Léo. Era filho do Leão Gondim de Oliveira e de dona Lili (Amélia Whittaker Gondim de Oliveira), o pai diretor dos Diários Associados e a mãe presidente da revista O Cruzeiro, que fazia parte do mesmo grupo. Os Diários Associados foram criados por Assis Chateaubriand e se tornou o maior conglomerado de mídia da história da imprensa no Brasil, tendo no seu auge cerca de 100 empresas. Era a Rede Globo de hoje, com emissoras de rádio, TV, jornais e revistas em todo o país. O impacto do ambiente não tirou o jeito descontraído dos jovens e depois do jantar, um strogonoff como mandava o cardápio da época, fomos levados à uma sala e como sobremesa a grande surpresa: um tímido Chico Buarque sentado na sala, com o violão ao colo esperando a turma para tocar e cantar as canções que já faziam sucesso… Ele já era famoso e não sei qual a lembrança que os outros amigos guardam, mas eu fiquei encantada em ver um ídolo tão de perto. Fez um show acústico particular, e nós fizemos coro com as músicas do seu primeiro LP, lançado no ano anterior… Nos esbaldamos com “Quem Te Viu, Quem Te Vê”, “A Banda”, “Noite dos Mascarados”, “A Rita”, “Madalena foi pro Mar”, “Você não Ouviu”, “Juca”, “Olê Olá”, “Meu Refrão”. 

Uma noite para nunca esquecer… Ninguém tinha máquina fotográfica, eu não imaginava ser jornalista e o registro na memória é impecável. Anos depois entrevistei Chico Buarque algumas vezes e não toquei neste assunto, mas jamais esqueci o privilégio de ter feito parte de uma plateia tão seleta. Dos amigos do cursinho testemunhas deste encontro, ficou o Roberto Abramson, a Ângela se casou com o Gonzaguinha, partiu há alguns anos, e os outros perdi o contato. Assisti a muitos shows do Chico, nenhum igual a este. Nunca mais soube do Léo, mas onde estiver agradeço imensamente o privilégio e espero que seu caminho tenha sido tão feliz como é o meu. Quanto ao Chico, desejo cada vez inspiração para continuar nos deliciando com a sua arte. 

O REI E EU

Quando a câmera deu o close na mão do Rei Charles no momento em que tocava o anel real, percebi que tínhamos algo em comum: um anel no dedo mindinho. O dele, tem 175 anos, foi presente da mãe, traz o brasão como Príncipe de Gales, a frase “’ich dien’, que significa “eu sirvo” e era um lembrete de que seria o primeiro na sucessão da coroa britânica. O meu foi comprado num momento em que a vida recomeçava e me dizia “eu posso”.

Quando fui morar em Nova York, em tempos de vacas muito magras, num início de dezembro, inverno chegando, vendi todas as joias para comprar uma árvore de Natal, botas e casacos para enfrentar a neve e um Atari para o Bernardo. Andei, de loja em loja, na rua 47 em Manhattan, conhecida como Diamond Street, para ver quem pagava melhor. Em cada uma abria a bolsinha de joias que eram examinadas e é claro que o valor oferecido era muito menor do que o real. Não questionei o valor afetivo, as situações em que comprei e ganhei cada uma, mas era o precisava naquele momento. Mas era o precisava naquele momento. Foram anéis ficaram os dedos.

Quando voltei ao Brasil e em pouco mais de dois anos fui me tornando uma prospera empresária, se é que se podia dizer isso de um escritório inovador de assessoria de imprensa, comecei a me presentear com algumas joias, compradas a prestação.  E este anel, que desde então não saiu da minha mão esquerda, me lembra exatamente isso “eu posso”. 

Vida longa ao Rei ! Vida longa às mulheres que acreditam que podem recomeçar sempre….    

Memórias de mãe

Tentando montar um quebra cabeça com datas e viagens, fui buscar informações no blogspot onde fiz anotações durante 2 anos até migrar para o wordpress e tive surpresas ao reencontrar registros de momentos tão significativos. Entre 2008 e 2009 vivi na ponte aérea Bahia – SP, onde tive grandes aprendizados, muitas reflexões e, o mais comovente foi encontrar os relatos dos últimos encontros com minha mãe. Reuniu todos neste post… Maio era aniversário dela, mês da mães.

Em 05 dezembro de 2008, quando saí de São Paulo para a Bahia aonde passaria as festas de fim de ano parei no Rio para ver mamãe. O texto abaixo é deste encontro, publiquei em maio de 2009.

Encontro mamãe sentadinha na cadeira de lona preta na sala de televisão reclamando do Natal que se aproxima. Minha irmã Déa no sofá, eu puxo um banquinho a seus pés para ouvir as lamúrias sobre a festa que se prenuncia. Papai gostava de Natal e festas, mamãe fazia a sua vontade. Se dependesse dela nenhuma palha se moveria no presépio com figuras antigas de cerâmica que todo ano montava embaixo da árvore prata com bolas azuis. Nada de presentes, comilanças, nem o desafinado coral familiar puxado por papai cantando Noite Feliz antes da ceia. Mas na hora da festa ela parecia feliz. Nunca soube se realmente era. Mas naquela tarde de novembro enquanto falávamos do Natal ela disse num tom muito familiar que não queria festa, estava velha e cansada. Aleguei que a festa poderia ser suspensa, mas com um jeito de olhar e falar que conhecíamos tão bem, disse que não podia contrariar o desejo do Alceu. Não mais o Alceu marido, mas agora o Alceu Filho, ” o meu tudo” como gostava de afirmar. Sugeri que ficasse quietinha no quarto enquanto a festa durasse. No máximo 4 horas e tudo teria acabado, e ela disse que também não podia. E foi diante deste dilema que também com seu jeito tão particular levantou os braços para o alto e disse: “mas Deus vai me ajudar, eu vou morrer antes do Natal e não vai ter festa!

Até agora nem sei como num impulso retruquei:

Ora mamãe, quanta pretensão achar que só por que a senhora vai morrer não vai ter Natal. O Natal acontece com ou sem a senhora.

Nem ela nem a Déa imaginavam este meu ataque. Falta de educação contestar a mãe, mas quase aos 60 me achava no direito.

Ela me encarou bem com seus olhos pequenos e determinou:

Então eu vou morrer no início de janeiro. Começava assim o mais louco diálogo de minha vida.

Não vai não mamãe, em janeiro eu faço 60 anos e como vai estragar minha festa?

Então eu morro em fevereiro.

Ora mamãe, fevereiro também não dá. Vou estar trabalhando no navio do Roberto e ja imaginou ter que parar o navio para vir ao seu enterro? Vamos combinar o seguinte: a senhora fica bem boazinha até maio, seu aniversário de 90 anos, depois disso a gente conversa de novo.

Mamãe aceitou a proposta e ficou boazinha até o dia do seu aniversário. Como sempre não queria festa, com insistentes apelos acabou concordando em fazer um almoço para reunir os filhos e netos. Mas na madrugada do dia da festa caiu no caminho para o banheiro. A osteoporose silenciosa quebrou a cabeça do fêmur. Foi para o hospital, dias depois a cirurgia para colocação de uma prótese e mamãe não mais se levantou. Foi se definhando e acho que está em vias de realizar seu desejo com um ano de atraso. Este ano não vai ter Natal. Ao menos na minha família.

Quarta-Feira, 20 de Maio de 2009

Conversa com mamãe

Mamãe não chora… Vamos falar das coisas boas da vida… Lembra da viagem à Disney quando entramos num trenzinho pensando que era só um passeio numa antiga mina de ouro do velho oeste e quando vimos estávamos no alto de uma montanha russa? Lembra o quanto gritamos e rimos depois com essa história? Sorri um pouco, mamãe, não chora… Lembra do cachorro quente que comíamos nas esquinas de Nova York e você dizia que era o melhor do mundo? E a neve que vimos em Mont Vernon, aquele campo enorme, todo branquinho e nós, feito crianças, tiramos fotos pra mostrar no Brasil… Mamãe, quanta vida pra recordar… 90 anos de construção de alegrias… Que graça ter só vivido bons momentos…Quantos irmãos, parentes e amigos… Que maridão você teve por quase 60 anos que lhe cobriu de dengos, e de sapatos e carinhos…Não faltaram viagens, passeios, nem pêssegos escondidos no armário só para você comer … Bombons nas gavetas, roupa nova no cabide… Nada faltou mamãe, não chora, a nossa vida foi muito feliz…

Quinta-Feira, 28 de Maio de 2009

Mamãe…

Mamãe, a vida é transformação, é aprendizado…. Não mamãe, impossível que nada mais exista quando a gente morre, quando este coração para de bater, quando a respiração acaba…

Ufa! Mamãe, respira comigo, presta atenção e me diz: você acha que somos como pequenas formiguinhas que acabamos como se a unha do polegar nos espremesse em cima da mesa, assim como você está fazendo? Mamãe, a vida não pode ser só isso… E todo esse equipamento que temos, esta sofisticação de neurônios e sistemas que nenhuma tecnologia conseguiu clonar e nos faz ser matéria vai acabar assim, espremido entre a unha e a madeira da mesa da cozinha, como você me mostra agora?

Ah! mamãe, você nunca me falou de morte, nunca me falou de outras vidas, nem mesmo apenas desta vida… Mas eu andei olhando pelo mundo e aprendi, li e ouvi que somos muito mais do que isto.. Somos elementos em movimento como a vegetação…. Você compreende mamãe que as folhas nascem, caem se transformam em sementes, também em adubo e voltam outras árvores e flores? Lembra mamãe…. Nós também somos assim… Escuta mamãe, sem medo, vivemos em movimento…. Não dói, é a vida mamãe…

Quarta-Feira, 17 de Junho de 2009

Mamãe você está linda, sentada sozinha na cama! Que sucesso heim, mamãe ? Cada dia melhor… Não faz esta carinha de pouco caso, você está dando a volta na vida… Como passar pelo Rio e não vir te ver nem que seja um pouquinho… Mamãe, acho que aos 90 você está começando a gostar dessa briga pela vida… Vamos firme mamãe, não tenha pressa de sair correndo pela casa com o andador, nem comprar uma cadeira de rodas… Qualquer dia você vai estar novamente andando sozinha… Esta mulheres da família Vianna tem estofo, são forte… Vovó chegou aos 97 mamãe, vamos lá…

Quarta-Feira, 23 de dezembro de 2009

Vi o dia nascer no aeroporto de Confins, vejo o dia acabar a caminho do aeroporto do Galeão. Um risco rosado no céu azul de verão avisto enquanto o carro vai pela Linha Vermelha e sinto o indefectível cheiro de enxofre, ou de podre, mas que tanto marcaram minha saídas e chegadas do Rio.

Não sei expressar como estou. Ou sou muito forte ou tão frágil que me escondo em um personagem. Talvez em algum momento eu desabe. Estou exausta. Sai de casa para pegar a balsa de 1 da manhã, um voô às 3h30 para BH, depois outro às 7h40 para o Rio e fiquei esperando com minha irmã até às 14hs para a visita na UTI e encontrar mamãe dormindo.

Não mamãe isso não. Acorde só um pouquinho para me ver. O corpo magrinho coberto por aventais. Onde estão as lindas camisolas que papai presenteava e sempre repetia a mesma piada: “pedi para a vendedora experimentar para ver se ficava bem”. Esse era o máximo de insinuação de sensualidade que ouvi em casa. E hoje mamãe está envolta em panos. Os braços presos a cama transpiram muito. Estranho, só os braços, como se um liquido em forma de suor fosse saindo do corpo apesar do frio do ar condicionado. As mãos estão inchadas de tantas picadas para injetar soro. Penalizada com a cena rezo em silêncio implorando para mamãe acordar. Ela não escuta. Insisto mais um pouco, agora chamando quase que em seu ouvido e aos poucos vai despertando. Vejo na máquina sob a cama que os números marcando o batimento cardíaco aumentam muito ao me ver. Desculpe interromper seu sono, mas filhos querem sempre atenção e eu não poderia voltar pra casa sem falar algumas coisas. Lucida presta atenção às graças que falo. Posso até ouvir sua voz dizendo ” uma palhaça” seguido de um risinho curto. Mamãe nunca foi de exteriorizar sentimentos. Continuo falando, meus irmãos falam também, fazem sinais e ela se mexe na cama querendo sentar. Ainda não dá mamãe. O enfermeiro avisa que o tempo da visita está acabando. Ainda faço uma prece em voz alta. Dou um beijo e ela balbucia: Deus te abençoe. Eu respondo: Deus te abençoe também, eu te amo.

Volto para casa e já não sei quando nos veremos de novo. Por enquanto mamãe ficamos combinado que vamos nos ver qualquer dia.

Domingo, 10 de Janeiro 2010

Nublou

60 dias sem chuva, quase 30 dias com mamãe vagando do quarto do hospital para UTI, o tempo nublou. Um verão de muito sol, mas dentro de mim nuvens negras e pesadas, prenúncio de tempestade. Total incoerência nestas férias entre desejos e realidades. Senhor seja feita a vossa vontade de sol ou de chuva. A natureza mostra que tudo se transforma e tem seu ciclo. Vou me ater a este pensamento e acreditar na plena transmutação.

Domingo, 17 de Janeiro de 2010

No leito do hospital, liberada da UTI há menos de 24hs, fraquinha, respirando com dificuldade ela percebe os 4 filhos reunidos a sua volta. Quero muito que tenha tido essa percepção, mesmo sem emitir um som diferenciado que não seja seus curtos gemidos, nem fazer um gesto com a mão caída sobre o colchão e inerte. Os meninos repetem o que os médicos falaram, as meninas rezam baixinho. Saem juntos os 4 irmãos para a pizza. Riem, conversam, declaram amor, lagrimas, discussão, briga, raivas escondidas, perdão, apaziguamentos. Cada um vai para seu canto sabendo de sua dor. Na madrugada o telefone toca e avisa: ela voltou para UTI. Há poucos minutos mais um telefonema: ela se foi.

Ficam só os 4 irmãos cada um com sua história. Descanse em paz.

Entre panos

Antes do mundo parar, ainda no verão, comprei tecidos para uma colcha de retalhos. Não sei onde estava com a cabeça para escolher estampas tão fora do padrão do que costumo utilizar. Gosto de cores solares, chitão, cara de Bahia, que misturo com bordados, aplicações, às vezes coloco uma renda e vou juntando sem o critério do patchwork, que acho lindo, mas por formar um desenho estático, repetitivo, comportado, foge da minha criatividade. Gosto de desestruturar, ir juntando os tecidos pensando em qual cama irá deitar… Geralmente enfeitam os chalés dos hóspedes e tenho uma amiga que passou uns dias aqui pensando na vida, criou uma relação de afeto com a colcha que tinha bordados e textos, que acabou levando. Gosto de trabalhar em tons, certa vez fiz só em azuis para presentear uma amiga nos 60 anos… Ou simplesmente vou juntando estampas para no final jogar num caldeirão de tintura e igualar num só tom. Se minha brincadeira de costurar anda neste caminho é possível imaginar o desapontamento quando percebi que os tecidos do verão eram caretas, um pouco infantis, listras e estampas miúdas que até pareciam camisas que usei nos tempos em que fui executiva. Diante dessa cena desativei temporariamente a produção.

Até que o mundo se fechou e no povoado onde vivo começamos uma campanha para levantar recursos, montar cestas básicas e doar para os trabalhadores desempregados e alguém teve o bom senso de perguntar: não vamos doar máscaras? Foi então que levantei a mão, retirei os tecidos guardados sem função e o que era colcha virou proteção em tempos de vírus. Parece que tinham sido comprados por encomenda e, com o auxílio luxuoso e totalmente voluntário do Pedro Paulista, que costura divinamente colchonetes para praia, ombrelones, almofadas, mosquiteiros, as máscaras estão ganhando as ruas. Ah! como eu adoraria estar fora do isolamento para ver pedaços do que seria uma colcha nos rostos do moradores. Por minha vez, continuo costurando máscaras, mas para alimentar a minha estrutura psíquica, faço com pedaços de pano que sobraram de colchas e assim, não caio na monotonia das estampas caretas…

Entre uma costura e outra, chego a delirar que seria muito legal depois que tudo terminar, recolher todas as máscaras e construir um enorme painel memória de um tempo triste que passou…

Um mergulho

Nunca amei tanto a Itália como no período da adolescência até a entrada da juventude, quando descobri a MPB. Antes dos 15 anos, na trilha sonora de qualquer bailinho, no top 10 a metade tinha as vozes de Sérgio Endrigo, Domenico Modugno, Gino Paoli, Pepino di Capri, Gianni Morandi, Nico Fidenco, Pino Donaggio, Gigliola Cinquetti … entre outros tantos. Como éramos apaixonados por estas vozes, assim como por Ray Conniff e Metais em Brasa… A cultura italiana ainda trazia filmes maravilhosos e, com a carteira do colégio completamente falsificada que o porteiro sabia que era fake mas fazia vista grossa, assisti filmes inesquecíveis como “O Belo Antonio”, “8 e ½”, “Rocco e seus irmãos”, “Matrimônio a Italiana”, “O Homem que não sabia amar” e incluindo nesta trilha o americano “Candelabro Italiano com a icônica canção “Al di la” interpretada por Emilio Pericoli …

Tudo isso tinha cheiro de amor… Havia alguma coisa diferente que mexia por dentro e depois vim saber que se chamava hormônio. Este elemento pulava nas espinhas, na secura da garanta quando aquele garoto vinha tirar para dançar e não sabia como começar a conversa, com a mão que suava e um rubor enchia o rosto ao mesmo tempo que o coração acelerava com o simples toque de uma mão masculina.  Era uma semana de espera, dias pensando no que vestir, o que falar, como andar, para pouco mais de 3 horas para se viver tão intensamente tudo o que não se sabia o que era…

Tudo isso veio à memória quando mergulhei hoje e senti a água muito salgada. Começou a cantar em mim “Sapore di Sale”, não sei qual conexão fez o meu cérebro, há quanto tempo não escuto esta música… Incrível este sentimento pois o mar de Sto André nem sempre é salgado, um rio desagua na vila, mas com a maré baixa, em plena lua cheia, parecia um tapete, tranquilo, sem ondas e veio “Sapore di Sale”. Voltei pra casa atrás de uma gravação da canção que não ouvia há décadas e encontrei no Youtube um vídeo do autor Gino Paoli aos 84 anos interpretando sua obra. Ah!  Gino, que bom saber que o tempo também passou para você e como está firme, seguro, pleno de sua arte nas imagens de 2016… Espero que o Covid-19 não tenho feito um estrago, que você esteja bem, cantarolando em alguma sacada na Italia, esperando tudo passar e voltar aos palcos. Você continua vivo para mim como também os bailinhos da Tijuca… Todas essas lembranças me enchem de amor… Acho que os hormônios continuam vivos…