Em 1985, deixei a redação do jornal O Globo. Montei um pequeno escritório na área de serviço de casa e comecei uma nova fase: fui ser assessora de imprensa. Naquela época, os profissionais que promoviam artistas e eventos na mídia ainda eram chamados de divulgadores. Comecei com dois grandes nomes: Renata Sorrah, que estreava como produtora e atriz na peça Grande e Pequeno, e Ivan Lins, em temporada no Canecão. Eu conhecia bem os críticos de teatro e música do Rio de Janeiro. Mas queria ir além, ampliar a visibilidade dos meus clientes. Fui a uma banca de jornais na Av. Rio Branco, daquelas bem sortidas, e comprei um exemplar de cada jornal e revista. Liguei para todos os veículos, anotei nomes e endereços dos profissionais que atuavam nas editorias de variedades, turismo, negócios, música e teatro — e assim nasceu meu primeiro mailing. Ele foi datilografado, encadernado e, anos depois, virou um programa no meu primeiro computador. Bastava digitar o segmento e a cidade, e surgia uma lista completa, pronta para imprimir etiquetas. Era tão inovador que virou matéria na recém-lançada página de informática do jornal O Globo. De lá pra cá, muita coisa mudou. Segui na comunicação estratégica, gestão de crise, criação de projetos e, pontualmente, mantendo contato com colegas da imprensa. Mas este ano resolvi, mais uma vez, colocar a mão na massa. Buscando me atualizar, testei plataformas que oferecem mailings segmentados. A tecnologia é ótima, mas o resultado foi pífio. Não me interessa disparar e-mails genéricos rumo à caixa de spam. Quero falar com quem realmente se interessa pelo conteúdo. Desta vez, promovo um evento que criei e muito me inspira: o Festival da Lagosta da Costa do Descobrimento, em Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia, que chega à sua 8ª edição. Vamos trabalhar fortemente as redes sociais e investir num marketing criativo e eficiente. Mas… ainda sinto falta de um bom mailing nacional. Como já não temos mais bancas repletas de jornais e revistas, compartilho essa história pois quem sabe você conhece veículos ou profissionais que tenham interesse em receber pautas incríveis — e com gosto de lagosta fresca — sobre um festival que acontece de 10 a 19 de outubro, entre em contato comigo. Vai ser um prazer reconectar!
Do que me lembro, lá pelos fins dos anos 60, era comum encontrar nas salas de estar ou nos jardins das casas uma árvore da felicidade. Frondosa ou em versão bonsai, diziam que bastava ter um casal — macho e fêmea — para atrair alegria duradoura.
Tive várias ao longo da vida, até chegar à Bahia… E encontrar, não uma árvore, mas um jardim com alma de floresta.
Hoje completo 21 anos em Vila de Santo André, Santa Cruz Cabrália, Bahia. E não tenho árvore da felicidade no quintal. Nem preciso. Aprendi a ser feliz entre árvores com nomes que soam como cantigas: aderno, araçá, angelim, almescla, araticum, aroeira… E mais: bananeira, cajueiro, coqueiros, dendezeiro, embaúba, flamboyant, jambolão, limoeiro. Algumas são heranças do meu irmão Victor, que ergueu esta casa. Outras, dádivas dos pássaros. Plantei apenas o jambolão, que hoje é um gigante. Seus frutos roxos tingem o chão como se o tempo ali se materializasse em cor.
Algumas árvores têm histórias. Como o cajueiro cuja galha atravessava a cerca e sombreava o caminho para a praia. Estava esplêndido, até que o vizinho pediu para cortar. Queria a passagem livre para um caminhão. Disse “não” de pronto — busque outra solução, respondi. Mas ao voltar pra casa, a dúvida me agarrou: o que pesa mais — a galha do cajueiro ou a boa convivência com o vizinho? Cortei a galha. O cajueiro, generoso, não se ofendeu. Voltou a crescer. E sua nova galha, agora mais alta, já se estende, atrevida, pelo mesmo caminho…
Com honra, sou Cidadã Cabraliense. O diploma está na parede — mas o reconhecimento vem daquilo que construí aqui. Tive o privilégio de servir duas vezes à cidade onde o Brasil começou. Fui Secretária de Cultura e Secretária de Comunicação. E vi a Vila de Santo André, que me acolheu com 350 moradores, crescer para mais de mil almas.
Um vilarejo resume uma grande cidade: os problemas são os mesmos, mas as alegrias e os conflitos nos tocam mais de perto, como se fossem parte da própria pele.
Nestes 21 anos, tive quatro cães. Escrevi três livros. Criei um site que vai completar 20 anos, um blog e redes sociais. Aprendi a costurar bonecas de pano, colchas de retalho. A fazer pilates 3 vezes por semana. A dormir com a janela aberta para ver a lua passeando no céu.
Sou anfitriã de pessoas adoráveis que passam por minha casa o ano todo. Um prazer receber. E fiz novos amigos. Com as flores do hibisco, aprendi sobre a finitude e o mais essencial: a vida é breve. Mesmo em toda sua beleza, o hibisco dura apenas 24 horas.
A cada ano, uma nova pergunta me visita: até quando? E hoje, respondo com o que aprendi entre raízes e galhos:
Entrei no túnel do tempo quando, segunda-feira, pouco antes das 7 da manhã, iniciando os alongamentos no pilates, fui interrompida com um carro parando na porta do estúdio e dele saindo a professora puxando uma malinha, ainda com o figurino da noite .
Eu ali me vi há mais de 50 anos, recém separada, com um filho pequeno, voltando à vida social nas noites do Rio de Janeiro nos anos 70. Exatamente o que acontece com a Tai, a fisioterapeura que há 9 anos me iniciou no pilates e mora ao lado do estúdio. E quem conhece a Bahia sabe que esta é a época das grandes festas/shows e, aproveitando o novo status, voltava com uma amiga da melhor de todas no sul da Bahia, o Pedrão na cidade de Eunápolis.
Flag
Enquanto ela trocava o vestido preto e as botas pela calça legging e a camiseta do pilates, continuei nas minhas práticas e pensamentos. De repente, me vi pegando um taxi na porta do prédio onde morava em Botafogo rumo ao Flag, o bar que o Chef Zé Hugo Celidônio abrira em Copacabana, uma das maravilhas das noites cariocas no início dos anos 70.
O Flag fora instalado em uma uma casa dos anos 30 na esquina das ruas Aires Saldanha com Xavier da Silveira. Na parte de cima, um piano-bar onde se revezavam alguns pianistas, me lembro do Laércio Freitas e Luiz Carlos Vinhas, sempre acompanhados de crooners incríveis, como Emilio Santiago. Ao longo da noite passavam notáveis para dar uma “canja”, como Johnny Half, Simonal e Nara Leão (gravou um álbum ao vivo, “Palco, Corpo e Alma”). Na parte de baixo havia um elegante restaurante estilo parisiense, o L’Orangerie. Zé Hugo morou em Paris na década de 50 e ganhou notoriedade por adaptar técnicas de pratos de tradições italiana e francesa com temperos brasileiros.
Apesar de todo esse luxo e glamour, nada impedia que, por “costumes da época” ou para proteger os frequentadores elegantes de “moças da noite”, era proibida a entrada de mulheres desacompanhadas… Que tempos!!! Como jornalista, frequentadora assídua, quando chegava sozinha o porteiro para seguir as regras, chamava um dos músicos amigos para me receber e assim liberava o acesso. Tenho na memória grandes momentos…. Muitas risadas, copos de whisky com muito gelo, uma nuvem de fumaça no ar – sim, todos fumavam muito – e entre os tantos shows inesperados um momento único: Simonal cantando “Tatuagem” encostado ao piano.
Sem o clima intimista do piano-bar, Tai está vivendo seu momento de liberdade definido como “adolescente com cartão de crédito”. A desnecessária companhia de um homem para entrar em qualquer lugar, faz uma grande diferença. O cartão de crédito e a autonomia profissional também. Com as amigas foi curtir as noites do Pedrão e os shows de Ivete Sangalo, Belo, Ana Castela, Maiara Maraisa e grande elenco. E ainda fez registro para a posteridade no paredão “instagramável”. Se não sumirem do celular, essas fotos serão uma ótima lembrança quando chegar na minha idade. Lamentavelmente não tenho qualquer foto das noites no Flag… Mas na memória passa um filme…
Quando tudo começou eram os chalés que a jornalista Léa Penteado tinha em sua casa no vilarejo de Santo André, Santa Cruz Cabra, Bahia, aonde recebia informalmente amigos e amigos dos amigos. Depois que o Ricardo Freire e o Nick Santiago ficaram hospedados trazidos pela querida Cacaia, seguindo a sugestão de quem entende de turismo nasceu a “Pousada Banana da Terra”. Mas os que chegavam diziam: “é a casa da Léa”.
Este verão, quase que numa crise de identidade, conversando com a Aline e a Esther, amigas profissionais de marketing e comunicação, surgiu a ideia de fazer um “rebranding” da Banana da Terra, um processo usual para ajustar a maneira como marcas se colocam perante ao público e o mercado. Concluímos facilmente que o certo era dar o nome da própria essência: CASA DA LÉA.
A bem da verdade, “Banana da Terra” sempre foi CASA DA LÉA. Até o localizador do Google sabe disso, era só criar uma nova identidade visual. Todos que por aqui passam conhecem o atendimento sob medida, das boas conversas no café da manhã, das colchas e os cabides que faço para os chalés, dos livros para empréstimo, das dicas de passeios e, como Freire escreveu no @viajenaviagem ,“é como se hospedar na casa de uma amiga que você fez no Facebook (não por acaso, as reservas são realizadas por lá).” E agora também as reservas são por aqui, ou no www.acasadalea.com site criado pela @krissubtil ou no www.santoandre-bahia.com
Parece que nada mudou, mas para mim tem sabor de começar de novo.
Na madrugada de amanhã começa o outono. Hoje é o dia de São José e na Bahia o verão continua como se a vida fosse sempre um eterno sol, brisa, mar e noites estreladas… As amendoeiras não seguem o outono, trocam as folhas quando bem entendem. Mas o outono deixou marcas em mim… O primeiro que vi na sua essência foi em Maplewood, um distrito de New Jersey, onde morei por um curto e inesquecível tempo em uma casa no estilo dos subúrbios americanos como se vê nos filmes da “sessão da tarde”. na Oakland Road. Éramos 3 adultos, 2 crianças e o sonho de fazer uma revista para os brasilianistas que tinham aos montes nos anos 80. O sonho não era meu, entrei no projeto dos amigos que não aconteceu. Para continuar por mais tempo na América fui trabalhar numa agencia de turismo na rua 47, esquina com a 5ª avenida, em Manhattan, mais de hora e meia de viagem. Caminhava em torno de 20 minutos até a estação de trem, ruas lindas, arborizadas, passava por um parque e ia apreciando as árvores mudando de cor pensando na vida que mudara de rumo. De trem seguia para Hoboken, fazia o traslado para o Path que atravessa as águas do rio Hudson e me levava até Manhattan onde um metrô me deixava próximo ao escritório. Pode parecer dureza, mas era muito divertido este novo mundo “9 to 5” no “american way of life”. Assim era de 2ª a 6ª e no sábado havia um turbilhão de coisas para fazer como retirar as folhas do jardim, pois no fim de semana que não fizemos, quase fomos multados… A casa da Oakland Road durou exatamente um outono. A amiga voltou para o Rio, eu cansei da longa distância para o trabalho e mudei para Larchmont, uma vila no Condado de Westchester, Nova York, um encantamento: o apartamento estava há duas quadras da estação e em 32 minutos, num único trem, chegava na Grand Central, no coração de NYC, bem perto do escritório. Vi todas as estações de forma intensa nestes anos na América, mas a melhor de todas foi um outono em Boston quando visitei um amigo que estudava em Harward. Andei nos parques, sobrevoei a cidade de helicóptero e vi o espetáculo de folhas coloridas, variando do amarelo e marrom, passando pelo vermelho e laranja. Fecho os olhos e ainda tenho essas imagens, como se todos os outonos continuassem em mim, eternizados na folha de Oak colhida do meu jardim, guardada num livro muito especial, que me acompanha na cabeceira.
Em referencia a árvore Oak, o carvalho em português, é forte e poderosa. Possui uma copa frondosa, não se deixa dobrar ao vento forte. É usada na composição do floral Oak do Dr. Bach e atua nos sentimentos de desânimo e desespero. Segundo Dr. Bach “é para aqueles que se esforçam e lutam para melhorar, tanto no que se refere à vida diária quanto aos assuntos profissionais. Continuam tentando uma coisa depois da outra, mesmo sem esperança.”
Uma folha de oak não entrou em minha vida por acaso… E quando me sinto frágil abro o livro e converso com ela…
Quando a câmera deu o close na mão do Rei Charles no momento em que tocava o anel real, percebi que tínhamos algo em comum: um anel no dedo mindinho. O dele, tem 175 anos, foi presente da mãe, traz o brasão como Príncipe de Gales, a frase “’ich dien’, que significa “eu sirvo” e era um lembrete de que seria o primeiro na sucessão da coroa britânica. O meu foi comprado num momento em que a vida recomeçava e me dizia “eu posso”.
Quando fui morar em Nova York, em tempos de vacas muito magras, num início de dezembro, inverno chegando, vendi todas as joias para comprar uma árvore de Natal, botas e casacos para enfrentar a neve e um Atari para o Bernardo. Andei, de loja em loja, na rua 47 em Manhattan, conhecida como Diamond Street, para ver quem pagava melhor. Em cada uma abria a bolsinha de joias que eram examinadas e é claro que o valor oferecido era muito menor do que o real. Não questionei o valor afetivo, as situações em que comprei e ganhei cada uma, mas era o precisava naquele momento. Mas era o precisava naquele momento. Foram anéis ficaram os dedos.
Quando voltei ao Brasil e em pouco mais de dois anos fui me tornando uma prospera empresária, se é que se podia dizer isso de um escritório inovador de assessoria de imprensa, comecei a me presentear com algumas joias, compradas a prestação. E este anel, que desde então não saiu da minha mão esquerda, me lembra exatamente isso “eu posso”.
Vida longa ao Rei ! Vida longa às mulheres que acreditam que podem recomeçar sempre….
Tentando montar um quebra cabeça com datas e viagens, fui buscar informações no blogspot onde fiz anotações durante 2 anos até migrar para o wordpress e tive surpresas ao reencontrar registros de momentos tão significativos. Entre 2008 e 2009 vivi na ponte aérea Bahia – SP, onde tive grandes aprendizados, muitas reflexões e, o mais comovente foi encontrar os relatos dos últimos encontros com minha mãe. Reuniu todos neste post… Maio era aniversário dela, mês da mães.
Em 05 dezembro de 2008, quando saí de São Paulo para a Bahia aonde passaria as festas de fim de ano parei no Rio para ver mamãe. O texto abaixo é deste encontro, publiquei em maio de 2009.
Encontro mamãe sentadinha na cadeira de lona preta na sala de televisão reclamando do Natal que se aproxima. Minha irmã Déa no sofá, eu puxo um banquinho a seus pés para ouvir as lamúrias sobre a festa que se prenuncia. Papai gostava de Natal e festas, mamãe fazia a sua vontade. Se dependesse dela nenhuma palha se moveria no presépio com figuras antigas de cerâmica que todo ano montava embaixo da árvore prata com bolas azuis. Nada de presentes, comilanças, nem o desafinado coral familiar puxado por papai cantando Noite Feliz antes da ceia. Mas na hora da festa ela parecia feliz. Nunca soube se realmente era. Mas naquela tarde de novembro enquanto falávamos do Natal ela disse num tom muito familiar que não queria festa, estava velha e cansada. Aleguei que a festa poderia ser suspensa, mas com um jeito de olhar e falar que conhecíamos tão bem, disse que não podia contrariar o desejo do Alceu. Não mais o Alceu marido, mas agora o Alceu Filho, ” o meu tudo” como gostava de afirmar. Sugeri que ficasse quietinha no quarto enquanto a festa durasse. No máximo 4 horas e tudo teria acabado, e ela disse que também não podia. E foi diante deste dilema que também com seu jeito tão particular levantou os braços para o alto e disse: “mas Deus vai me ajudar, eu vou morrer antes do Natal e não vai ter festa!“
Até agora nem sei como num impulso retruquei:
Ora mamãe, quanta pretensão achar que só por que a senhora vai morrer não vai ter Natal. O Natal acontece com ou sem a senhora.
Nem ela nem a Déa imaginavam este meu ataque. Falta de educação contestar a mãe, mas quase aos 60 me achava no direito.
Ela me encarou bem com seus olhos pequenos e determinou:
Então eu vou morrer no início de janeiro. Começava assim o mais louco diálogo de minha vida.
Não vai não mamãe, em janeiro eu faço 60 anos e como vai estragar minha festa?
Então eu morro em fevereiro.
Ora mamãe, fevereiro também não dá. Vou estar trabalhando no navio do Roberto e ja imaginou ter que parar o navio para vir ao seu enterro? Vamos combinar o seguinte: a senhora fica bem boazinha até maio, seu aniversário de 90 anos, depois disso a gente conversa de novo.
Mamãe aceitou a proposta e ficou boazinha até o dia do seu aniversário. Como sempre não queria festa, com insistentes apelos acabou concordando em fazer um almoço para reunir os filhos e netos. Mas na madrugada do dia da festa caiu no caminho para o banheiro. A osteoporose silenciosa quebrou a cabeça do fêmur. Foi para o hospital, dias depois a cirurgia para colocação de uma prótese e mamãe não mais se levantou. Foi se definhando e acho que está em vias de realizar seu desejo com um ano de atraso. Este ano não vai ter Natal. Ao menos na minha família.
Quarta-Feira, 20 de Maio de 2009
Conversa com mamãe
Mamãe não chora… Vamos falar das coisas boas da vida… Lembra da viagem à Disney quando entramos num trenzinho pensando que era só um passeio numa antiga mina de ouro do velho oeste e quando vimos estávamos no alto de uma montanha russa? Lembra o quanto gritamos e rimos depois com essa história? Sorri um pouco, mamãe, não chora… Lembra do cachorro quente que comíamos nas esquinas de Nova York e você dizia que era o melhor do mundo? E a neve que vimos em Mont Vernon, aquele campo enorme, todo branquinho e nós, feito crianças, tiramos fotos pra mostrar no Brasil… Mamãe, quanta vida pra recordar… 90 anos de construção de alegrias… Que graça ter só vivido bons momentos…Quantos irmãos, parentes e amigos… Que maridão você teve por quase 60 anos que lhe cobriu de dengos, e de sapatos e carinhos…Não faltaram viagens, passeios, nem pêssegos escondidos no armário só para você comer … Bombons nas gavetas, roupa nova no cabide… Nada faltou mamãe, não chora, a nossa vida foi muito feliz…
Quinta-Feira, 28 de Maio de 2009
Mamãe…
Mamãe, a vida é transformação, é aprendizado…. Não mamãe, impossível que nada mais exista quando a gente morre, quando este coração para de bater, quando a respiração acaba…
Ufa! Mamãe, respira comigo, presta atenção e me diz: você acha que somos como pequenas formiguinhas que acabamos como se a unha do polegar nos espremesse em cima da mesa, assim como você está fazendo? Mamãe, a vida não pode ser só isso… E todo esse equipamento que temos, esta sofisticação de neurônios e sistemas que nenhuma tecnologia conseguiu clonar e nos faz ser matéria vai acabar assim, espremido entre a unha e a madeira da mesa da cozinha, como você me mostra agora?
Ah! mamãe, você nunca me falou de morte, nunca me falou de outras vidas, nem mesmo apenas desta vida… Mas eu andei olhando pelo mundo e aprendi, li e ouvi que somos muito mais do que isto.. Somos elementos em movimento como a vegetação…. Você compreende mamãe que as folhas nascem, caem se transformam em sementes, também em adubo e voltam outras árvores e flores? Lembra mamãe…. Nós também somos assim… Escuta mamãe, sem medo, vivemos em movimento…. Não dói, é a vida mamãe…
Quarta-Feira, 17 de Junho de 2009
Mamãe você está linda, sentada sozinha na cama! Que sucesso heim, mamãe ? Cada dia melhor… Não faz esta carinha de pouco caso, você está dando a volta na vida… Como passar pelo Rio e não vir te ver nem que seja um pouquinho… Mamãe, acho que aos 90 você está começando a gostar dessa briga pela vida… Vamos firme mamãe, não tenha pressa de sair correndo pela casa com o andador, nem comprar uma cadeira de rodas… Qualquer dia você vai estar novamente andando sozinha… Esta mulheres da família Vianna tem estofo, são forte… Vovó chegou aos 97 mamãe, vamos lá…
Quarta-Feira, 23 de dezembro de 2009
Vi o dia nascer no aeroporto de Confins, vejo o dia acabar a caminho do aeroporto do Galeão. Um risco rosado no céu azul de verão avisto enquanto o carro vai pela Linha Vermelha e sinto o indefectível cheiro de enxofre, ou de podre, mas que tanto marcaram minha saídas e chegadas do Rio.
Não sei expressar como estou. Ou sou muito forte ou tão frágil que me escondo em um personagem. Talvez em algum momento eu desabe. Estou exausta. Sai de casa para pegar a balsa de 1 da manhã, um voô às 3h30 para BH, depois outro às 7h40 para o Rio e fiquei esperando com minha irmã até às 14hs para a visita na UTI e encontrar mamãe dormindo.
Não mamãe isso não. Acorde só um pouquinho para me ver. O corpo magrinho coberto por aventais. Onde estão as lindas camisolas que papai presenteava e sempre repetia a mesma piada: “pedi para a vendedora experimentar para ver se ficava bem”. Esse era o máximo de insinuação de sensualidade que ouvi em casa. E hoje mamãe está envolta em panos. Os braços presos a cama transpiram muito. Estranho, só os braços, como se um liquido em forma de suor fosse saindo do corpo apesar do frio do ar condicionado. As mãos estão inchadas de tantas picadas para injetar soro. Penalizada com a cena rezo em silêncio implorando para mamãe acordar. Ela não escuta. Insisto mais um pouco, agora chamando quase que em seu ouvido e aos poucos vai despertando. Vejo na máquina sob a cama que os números marcando o batimento cardíaco aumentam muito ao me ver. Desculpe interromper seu sono, mas filhos querem sempre atenção e eu não poderia voltar pra casa sem falar algumas coisas. Lucida presta atenção às graças que falo. Posso até ouvir sua voz dizendo ” uma palhaça” seguido de um risinho curto. Mamãe nunca foi de exteriorizar sentimentos. Continuo falando, meus irmãos falam também, fazem sinais e ela se mexe na cama querendo sentar. Ainda não dá mamãe. O enfermeiro avisa que o tempo da visita está acabando. Ainda faço uma prece em voz alta. Dou um beijo e ela balbucia: Deus te abençoe. Eu respondo: Deus te abençoe também, eu te amo.
Volto para casa e já não sei quando nos veremos de novo. Por enquanto mamãe ficamos combinado que vamos nos ver qualquer dia.
Domingo, 10 de Janeiro 2010
Nublou
60 dias sem chuva, quase 30 dias com mamãe vagando do quarto do hospital para UTI, o tempo nublou. Um verão de muito sol, mas dentro de mim nuvens negras e pesadas, prenúncio de tempestade. Total incoerência nestas férias entre desejos e realidades. Senhor seja feita a vossa vontade de sol ou de chuva. A natureza mostra que tudo se transforma e tem seu ciclo. Vou me ater a este pensamento e acreditar na plena transmutação.
Domingo, 17 de Janeiro de 2010
No leito do hospital, liberada da UTI há menos de 24hs, fraquinha, respirando com dificuldade ela percebe os 4 filhos reunidos a sua volta. Quero muito que tenha tido essa percepção, mesmo sem emitir um som diferenciado que não seja seus curtos gemidos, nem fazer um gesto com a mão caída sobre o colchão e inerte. Os meninos repetem o que os médicos falaram, as meninas rezam baixinho. Saem juntos os 4 irmãos para a pizza. Riem, conversam, declaram amor, lagrimas, discussão, briga, raivas escondidas, perdão, apaziguamentos. Cada um vai para seu canto sabendo de sua dor. Na madrugada o telefone toca e avisa: ela voltou para UTI. Há poucos minutos mais um telefonema: ela se foi.
Ficam só os 4 irmãos cada um com sua história. Descanse em paz.
Antes do mundo parar, ainda no verão, comprei tecidos para uma colcha de retalhos. Não sei onde estava com a cabeça para escolher estampas tão fora do padrão do que costumo utilizar. Gosto de cores solares, chitão, cara de Bahia, que misturo com bordados, aplicações, às vezes coloco uma renda e vou juntando sem o critério do patchwork, que acho lindo, mas por formar um desenho estático, repetitivo, comportado, foge da minha criatividade. Gosto de desestruturar, ir juntando os tecidos pensando em qual cama irá deitar… Geralmente enfeitam os chalés dos hóspedes e tenho uma amiga que passou uns dias aqui pensando na vida, criou uma relação de afeto com a colcha que tinha bordados e textos, que acabou levando. Gosto de trabalhar em tons, certa vez fiz só em azuis para presentear uma amiga nos 60 anos… Ou simplesmente vou juntando estampas para no final jogar num caldeirão de tintura e igualar num só tom. Se minha brincadeira de costurar anda neste caminho é possível imaginar o desapontamento quando percebi que os tecidos do verão eram caretas, um pouco infantis, listras e estampas miúdas que até pareciam camisas que usei nos tempos em que fui executiva. Diante dessa cena desativei temporariamente a produção.
Até que o mundo se fechou e no povoado onde vivo começamos uma campanha para levantar recursos, montar cestas básicas e doar para os trabalhadores desempregados e alguém teve o bom senso de perguntar: não vamos doar máscaras? Foi então que levantei a mão, retirei os tecidos guardados sem função e o que era colcha virou proteção em tempos de vírus. Parece que tinham sido comprados por encomenda e, com o auxílio luxuoso e totalmente voluntário do Pedro Paulista, que costura divinamente colchonetes para praia, ombrelones, almofadas, mosquiteiros, as máscaras estão ganhando as ruas. Ah! como eu adoraria estar fora do isolamento para ver pedaços do que seria uma colcha nos rostos do moradores. Por minha vez, continuo costurando máscaras, mas para alimentar a minha estrutura psíquica, faço com pedaços de pano que sobraram de colchas e assim, não caio na monotonia das estampas caretas…
Entre uma costura e outra, chego a delirar que seria muito legal depois que tudo terminar, recolher todas as máscaras e construir um enorme painel memória de um tempo triste que passou…
Nunca amei tanto a Itália como no período da adolescência até a entrada da juventude, quando descobri a MPB. Antes dos 15 anos, na trilha sonora de qualquer bailinho, no top 10 a metade tinha as vozes de Sérgio Endrigo, Domenico Modugno, Gino Paoli, Pepino di Capri, Gianni Morandi, Nico Fidenco, Pino Donaggio, Gigliola Cinquetti … entre outros tantos. Como éramos apaixonados por estas vozes, assim como por Ray Conniff e Metais em Brasa… A cultura italiana ainda trazia filmes maravilhosos e, com a carteira do colégio completamente falsificada que o porteiro sabia que era fake mas fazia vista grossa, assisti filmes inesquecíveis como “O Belo Antonio”, “8 e ½”, “Rocco e seus irmãos”, “Matrimônio a Italiana”, “O Homem que não sabia amar” e incluindo nesta trilha o americano “Candelabro Italiano com a icônica canção “Al di la” interpretada por Emilio Pericoli …
Tudo isso tinha cheiro de amor… Havia alguma coisa diferente que mexia por dentro e depois vim saber que se chamava hormônio. Este elemento pulava nas espinhas, na secura da garanta quando aquele garoto vinha tirar para dançar e não sabia como começar a conversa, com a mão que suava e um rubor enchia o rosto ao mesmo tempo que o coração acelerava com o simples toque de uma mão masculina. Era uma semana de espera, dias pensando no que vestir, o que falar, como andar, para pouco mais de 3 horas para se viver tão intensamente tudo o que não se sabia o que era…
Tudo isso veio à memória quando mergulhei hoje e senti a água muito salgada. Começou a cantar em mim “Sapore di Sale”, não sei qual conexão fez o meu cérebro, há quanto tempo não escuto esta música… Incrível este sentimento pois o mar de Sto André nem sempre é salgado, um rio desagua na vila, mas com a maré baixa, em plena lua cheia, parecia um tapete, tranquilo, sem ondas e veio “Sapore di Sale”. Voltei pra casa atrás de uma gravação da canção que não ouvia há décadas e encontrei no Youtube um vídeo do autor Gino Paoli aos 84 anos interpretando sua obra. Ah! Gino, que bom saber que o tempo também passou para você e como está firme, seguro, pleno de sua arte nas imagens de 2016… Espero que o Covid-19 não tenho feito um estrago, que você esteja bem, cantarolando em alguma sacada na Italia, esperando tudo passar e voltar aos palcos. Você continua vivo para mim como também os bailinhos da Tijuca… Todas essas lembranças me enchem de amor… Acho que os hormônios continuam vivos…
Nunca assisti tantos filmes na minha vida…. Praticamente um por dia e sou muito grata à Netflix e aos amigos que mandaram dicas. O mais estranho é perceber a relação que estou desenvolvendo com os filmes… Claro que converso com cães, plantas, roupas… mas o filme continuar vivo é novidade. Eles terminam e eu continuo convivendo com os personagens, conversando, andando por cenários e imaginando o que estariam fazendo enclausurados em tempos de convid-1.
Hoje, por exemplo estou firme com a Esther, Esty, (Shira Haas) da série “Nada Ortodoxa”. Foram apenas 4 episódios, indicação do Beto Leal, amigo que mora em NYork e está recluso em Connecticut, que não sai de mim. Acredito que em outra encarnação fui judia e o Adolpho Bloch foi o primeiro a dizer “você não é goy, tem cara, nome e pensa igual a uma jewish woman”. Esta série retrata uma jovem judia moradora numa comunidade super ortodoxa no Brooklyn e me revelou tanto da cultura judaica que já ouvira e nunca tinha visto como a refeição no shabat, a escolha dos casamentos, a preparação das noivas… Junto com Esty voltei à Jerusalém e vi as mulheres andando nos shoppings sofisticados usando perucas, lenço na cabeça, saias longas puxando carrinhos de bebê e muitos filhos.
No fim de semana voltei à década de 50, viajei para o interior da Inglaterra e quem passou o domingo comigo foi Emily Mortimer, a personagem do filme “A Livraria”. O filme é de 2017, tem uma avaliação de apenas 2 estrelas num desses sites de crítica cinematográfica, mas foi uma excelente companhia. Estou até agora lembrando do livro Lolita, grande sucesso na livraria da forasteira Emily e no final surpreendente.
Já passei dias com “Madam C. J. Walker”, indicação do Bruno Astuto, a primeira mulher negra a ficar milionária. Não me conformo por não ter conhecido a sua história quando morei nos Estados Unidos. O mesmo sentimento tive ao assistir a série do Bhagwan Shree Rajneesh, Osho, afinal eu morava lá quando tudo aconteceu e me lembro vagamente de ouvir nos telejornais, nada tão impactante como o documentário. Graças a Deus não soube muito sobre o guru naquela época, pois aos 30 anos certamente ficaria tentada a conhecer a comunidade no Oregon.
Passei dias com a Yuma Takada, personagem vivida por Mei Kayama, no filme “37 Segundos” o primeiro da diretora japonesa Hikari. Não lembro quem me indicou, mas fiquei mobilizada com a delicadeza da história da cadeirante. No início o filme traz um certo incômodo, mas logo superado. Que lindo o desafio da desenhista, quanta sutileza em temas tão duros. Yuma foi comigo à praia, fiquei imaginando como se movimentaria na areia… Quem assistiu ao filme pode entender…
Alguém sugeriu assistir “O Cidadão Ilustre”, de 2017, e quanto me parece real toda a trajetória do personagem Daniel Mantovani (Oscar Martínez), um escritor argentino e vencedor do Prêmio Nobel, radicado há 40 anos na Europa, que volta ao povoado onde nasceu e que inspirou a maioria de seus livros, para receber o título de Cidadão Ilustre da cidade – um dos únicos prêmios que aceitou receber. Algumas vezes fiz matérias de artistas que ficaram famosos e voltavam à terra natal, confesso que vi cenas muito parecidas…Oscar Martinez, ou melhor, o escritor Daniel, também andou pela minha casa e acho que foi com ele que preparei o almoço segunda-feira.
Ainda acompanhei a saga da espiã do Tanger na longa série de “Em Tempos de Costura”… Creio que foram uns três dias de idas e vindas com Sira Quiroga, seus amores e desafios entre Madri, Lisboa e Tetouan, a cidade hispano-mourisca no norte da África. Na série que traz fatos históricos da Guerra Civil Espanhola de 1936 os quatro personagens inspirados em fatos reais realmente vivenciaram aqueles momentos em suas vidas, a qual foi baseado em relatos de documentários e livros de biografia existentes, cujos não são famosos a nível internacional. Essa série é uma adaptação do livro de Maria Dueñas. Viajei nos tecidos e nas costuras, um assunto que adoro. Acho que foi isso que me fez abrir os armários e voltar a costurar as máscaras que já ganharam o mundo.
E assim, estou entre filmes, panelas onde acredito que os tantos programas de culinária que assisti – sua bênção Rita Lobo, sua bênção Claude Troisgros – começaram a fluir e estou cozinhando cada vez melhor. Assim como os filmes, cada dia uma descoberta. E agora preciso dar um tempo. Estou mergulhando no estudo de “SEO – Search engine optimizer”. Quanta coisa para conhecer sobre o mundo Google… Esta quarentena tem que se prolongar, não vai dar tempo para tanta coisa, ainda mais que acabo de ler que “Casa de Papel” estreia a 4ª. temporada no fim de semana… Estarei totalmente recolhida…